Restauro da Ponte da Arrábida já começou. Estrutura está livre de perigo

Corrosão do betão por cloretos do ambiente marítimo podem estar na origem do desgaste da ponte com quase 55 anos

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Nelson Garrido

A Infra-estruturas de Portugal (IP) ainda não explicou o que poderá ter originado a queda de pedaços de betão da Ponte da Arrábida, mas já assegurou que “não está em causa a segurança” da estrutura. Um plano de restauro dos “danos superficiais” foi rapidamente articulado, em parceria com a Câmara do Porto, e a IP programou o início da “remoção controlada do betão destacado” para a noite de quarta-feira e a madrugada de quarta, implicando o corte da via direita do tabuleiro nos dois sentidos do tráfego. No final, seria avaliada a necessidade de prolongar os trabalhos por mais noites. E ainda programada uma segunda fase da intervenção, com “trabalhos de reparação do revestimento inferior do tabuleiro da ponte”.

Os fragmentos de betão de “pequena dimensão” desprenderam-se do “revestimento das vigas do tabuleiro”, elementos não estruturais da ponte. Por causa da posição e da altura de onde caíram os detritos, os serviços de protecção civil municipais decidiram cortar o trânsito na estrada marginal logo na noite de terça-feira. A circulação, informava a IP esta tarde, seria reaberta assim que a segurança estivesse garantida, não havendo ainda previsões para isso acontecer.

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A Ponte da Arrábida tinha, à data da inauguração, a 22 de Junho de 1963, o maior arco de betão pré-esforçado do mundo, com um vão de 270 metros. Um colosso da engenharia com a assinatura de Edgar Cardoso. A IP revelou que a ponte tem tido “inspecções regulares”, a última realizada em 2013 com um estado de conservação considerado “bom”, estando prevista uma revisão de fundo para este ano. O LNEC - Laboratório Nacional de Engenharia Civil faz também “inspecções anuais às Obras de Arte especiais, nas quais se inclui a Ponte da Arrábida” e o último relatório data de Janeiro de 2019.

Júlio Appleton coordenou uma das grandes empreitadas de reabilitação da ponte, em 1997. Nessa altura, “a ponte não apresentava qualquer deficiência de segurança”, embora tivesse “muitas zonas deterioradas por corrosão de armaduras”. Tinham passado 35 anos da inauguração da obra e embora o betão utilizado fosse “de muito boa qualidade”, havia “alguns defeitos de execução” - como “recobrimentos reduzidos das armaduras e defeitos de betonagem” – que provocaram uma “corrosão local das armaduras, queda do betão (exterior às armaduras) e exposição do aço.”

A reparação feita nessa altura envolveu “meios importantes de acesso a toda a estrutura” e foi, “globalmente, de boa qualidade”, tendo sido introduzida uma “protecção adicional por pintura”. Mas, então, o que pode ter levado agora à queda de pedaços da estrutura? “A continuação natural do processo de corrosão associado à penetração de iões cloreto para o interior do betão”, acredita Júlio Appleton, informando que no caso da Arrábida a corrosão estará associada à penetração de cloretos do ambiente marítimo no betão.

A corrosão de armaduras, explica o engenheiro, está associada a uma expansão que origina a fendilhação do betão e posteriormente a queda do betão exterior às armaduras na zona onde houve corrosão. Essa zona está geralmente associada a locais onde o recobrimento das armaduras é mais baixo ou onde houve defeitos de betonagem. “Os iões cloreto têm grande capacidade de penetração. A pintura realizada pretendeu criar uma barreira adicional, mas após 20 anos perdeu por certo parte da sua eficácia”, acrescentou.

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Manuel Matos Fernandes, director do departamento de Engenharia Civil da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, recorda-se bem desse último restauro. “Quero crer que os danos sejam numa zona muito localizada facilmente reparada, sem afectar a segurança estrutural da ponte”, disse, revelando total confiança nos técnicos da IP que iriam avaliar o problema no local.

O engenheiro e docente na FEUP - subscritor do projecto de classificação da Ponte da Arrábida como Monumento Nacional -, afasta qualquer relação entre este incidente e a polémica obra junto à ponte, embargada desde Janeiro. A escavação da escarpa é “relevantíssima para a cidade”, mas nada tem a ver com a segurança da ponte: “Aquele edifício é uma coisa absolutamente indecorosa que vai afectar de forma radical o enquadramento da ponte que é lindíssima”, disse ao PÚBLICO, lamentando que a zona especial de protecção não tenha sido atempadamente definida mas deixando uma nota de esperança num final feliz, o da “demolição daquela estrutura.”

A Ponte da Arrábida foi a primeira grande ponte sobre o rio Douro projectada e construída pela engenharia portuguesa. Edgar Cardoso notabilizou-se exactamente como projectista de pontes, tendo realizado obras um pouco por todo o mundo. É no Porto, no entanto, que muitos especialistas dizem estar a sua maior obra-prima. A dias de completar 55 anos. 

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