Seis anos depois, a ponte da Arrábida está protegida... ou nem por isso

Empreendimentos da Imolimit, sob investigação do MInistério Público, não estão abrangidos pela Zona de Protecção Especial àquele monumento, publicada esta segunda-feira.

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Prédio de seis andares está fora da Zona de Protecção da Ponte Andre Rodrigues

Quase seis anos depois de ter sido classificada como monumento nacional, a Ponte da Arrábida tem, desde esta segunda-feira, uma zona especial de protecção (ZEP) que abrange uma área em volta desta obra de Edgar Cardoso. Aprovada após um processo recheado de vicissitudes, a ZEP chega tarde para condicionar algumas obras que têm gerado contestação, na margem do Porto. E, tal como já se percebia na proposta submetida a discussão pública, nem sequer inclui, por exemplo, dois prédios em construção no topo da escarpa cujo processo urbanístico está a ser investigado pelo Ministério Público.

Dos três casos que têm merecido a atenção da oposição e da imprensa, na envolvente à ponte, o dos terrenos da Selminho é o único que parece ter resolução mais simples. A área em causa aparece na ZEP como espaço verde, tal como no Plano Director Municipal, mas já nem sequer foi preciso esperar pela publicação, esta segunda-feira, deste zonamento, para travar eventuais construções, que agora dependeriam de alterações ao PDM e à própria ZEP.

Como é já conhecido, em Janeiro, o Tribunal Judicial deu como provado que é do município boa parte da propriedade detida por aquela imobiliária da família do autarca Rui Moreira. Em 2001, parcela tinha sido indevidamente apropriada por um casal que, meses depois, a vendeu à Selminho, não tendo o juiz encontrado evidências que o fizessem duvidar da boa-fé desta empresa no negócio. 

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Seis andares a poente 

Se a nascente o caso parece estar resolvido ou em vias de resolução, mais complexo é o que se passa a uma cota um pouco mais alta, e a poente, nos terrenos da Imolimit, onde esta promotora imobiliária está a construir dois prédios, um deles de seis pisos sobrepondo-se, na paisagem, à obra de Edgar Cardoso. Tal como constava já da proposta que foi a discussão pública, no ano passado, a ZEP deixou de fora estas duas parcelas onde decorrem obras que têm sido alvo de crítica.

Mais uma vez, a palavra está do lado da Justiça. Como o PÚBLICO noticiou, já em Setembro do ano passado, O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto recebeu uma queixa denunciando que os alvarás para as obras de edificação nestes terrenos, ambos de 22 de Junho de 2017, foram passados quase oito anos após os projectos terem sido licenciados e depois de o processo ter estado parado durante grande parte desse tempo.

Nessa queixa foram apresentados documentos indicando que, pelo menos num dos casos, o processo tinha caducado, e a associavam-se os últimos passos da tramitação deste processo à apresentação, em Março de 2017, de uma proposta de Zona Especial de Protecção para a ponte da Arrábida. Essa primeira versão da ZEP - entregue à câmara, mas que viria a ser discutida entre a DRCN e o município apenas em 2018 - cobria os terrenos mais a norte, onde está ser construído o prédio de seis andares.

Passado um ano, durante a discussão entre a DRCN e a autarquia, esta fez saber que já havia um licenciamento para o prédio de seis andares, propondo, assim, a sua exclusão da ZEP. E tratando-se, como se trata, de uma área de edificação, no PDM, mesmo que o tribunal venha, eventualmente, a dar provimento à queixa e a considerar nulas as actuais licenças, a proximidade ao monumento já não impedirá que ali se ergam construções. Segundo a Lusa, este processo, como os restantes, está a ser investigado pelo Ministério Público. 

A aprovação deste prédio mereceu, no ano passado, reparos por parte do técnico superior da Direcção Regional de Cultura que acompanhava o processo da ZEP, e que, numa informação para os seus superiores, considerou que esta obra “terá um impacte muito negativo sobre o enquadramento do monumento”. “Para aquela zona, onde a cércea dominante é de apenas um piso, tínhamos previsto uma cércea máxima de dois pisos, que nos pareceu ainda razoável. Seis pisos é excessivo, dada a proeminência paisagística do sítio e constitui um mau precedente”, escreveu ainda o técnico David Ferreira.

Projecto da Arcada embargado

Curiosamente, quanto ao terceiro caso que tem gerado polémica, o dos prédios da Arcada, na marginal a poente da Arrábida, o mesmo técnico considerou que a existência de construções numa área que, no PDM actual, é “verde”, não merece reparos, por estar a 50 metros da ponte, como as edificações existentes a montante desta. Embora tenha criticado a aprovação, para ali, de uma torre de 16 pisos. “Consideramos que terá impacto paisagístico negativo relativamente ao monumento, com o qual vai conflituar”, escreveu. Mas, existindo um licenciamento anterior, a ZEP não fez mais do que incluir um desenho do que ali se prevê construir.

Fora do controlo da ZEP, a obra está no entanto embargada desde o final do mês passado, por via de uma acção do Ministério Público (MP), que pede a nulidade de todos os actos administrativos que levaram à sua aprovação por ausência de consultas às entidades com jurisdição sobre as margens, o designado domínio público hídrico: a Agência Portuguesa do Ambiente e a Administração do Porto do Douro e Leixões, autora da queixa ao MP.

Além disso, como o PÚBLICO revelou a 20 de Janeiro, a obra está parcialmente implantada num terreno do domínio público do Estado, sob tutela da APDL. Entidade que, dias depois, fez saber que iria reclamar, em tribunal, a posse dessa parcela, complicando, para já, as intenções da empresa promotora, a Arcada. Esta vai, contudo, defender, na justiça, o direito a prosseguir as obras, num processo que pode arrastar-se anos pelos tribunais. 

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