O vosso amor vai ser dividido entre mim e o meu irmão?

Idealmente, o intervalo entre o nascimento de dois irmãos não deve ser inferior a dois anos, tendo em conta as fases do desenvolvimento psicoafectivo de uma criança e da atenção que esta requer das figuras parentais, em qualidade e em quantidade.

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Kelly Sikkema/Unsplash

O nascimento de um bebé deve ser preparado com alguma antecedência junto dos outros irmãos, já que o acontecimento implica um rearranjo da dinâmica familiar. As crianças mais inseguras e com mais baixa auto-estima têm maior vulnerabilidade nesta adaptação à mudança.

Mesmo nas crianças com desenvolvimento psicoafectivo adequado, é vulgar existirem alterações emocionais e comportamentais nos meses seguintes ao nascimento de um irmão. Nomeadamente, os pais podem notar maior irritabilidade, choro, dependência, diminuição do apetite e, por vezes, regressão nalgumas competências que os seus filhos já tinham adquirido. Por exemplo, a criança pode querer voltar a usar biberão, fralda, dormir com os pais, já que vê o mesmo no seu irmão.

Estas alterações também podem surgir logo nos últimos meses de gravidez, quando é mais evidente a transformação física do corpo da mãe, implicando não raro que esta deixe de poder executar algumas atividades habituais, como brincar no chão do quarto da criança ou pegar no filho ao colo.

Outras vezes, tudo decorre de forma tranquila até que o bebé atinge cerca de um ano de idade, começa a andar, a explorar o meio e a pronunciar palavras, tornando-se mais expressiva a sua participação no quadro familiar, fazendo com que o irmão mais velho se sinta como se estivesse na sombra... Sobretudo, quando a família é visitada, o objecto de maior atenção costuma ser o bebé, todos parecem estar sempre embevecidos com ele, segundo a perspectiva do outro irmão/os.

Assim, algum elemento da família deve procurar integrar sempre a criança mais velha ou distraí-la, para que o impacto da atenção que o bebé desperta não seja tão forte e não cause tantos “ciúmes”. Deve evitar-se que ocorram múltiplas mudanças na altura do nascimento de um irmão.

Por exemplo, é frequente perceber que os pais retiveram no seu quarto uma criança até aos 2 anos de idade, e depois lhe dizem que como vai ter um irmão, deve deixar o quarto nessa altura, para ceder o seu lugar ao bebé. Não resulta bem, nem é adequado. Em primeiro lugar, a criança deve deixar o quarto dos pais mais cedo, entre os 6 e os 12 meses. Depois, deve fazê-lo alguns meses antes que o irmão nasça, para não agravar sentimentos de rivalidade.

Também se deve evitar a coincidência com entrada na escola ou mudança de escola. Se tal não puder ser evitado, aconselha-se uma redobrada atenção e vigilância do estado emocional da criança, por parte dos pais.

Idealmente, o intervalo entre o nascimento de dois irmãos não deve ser inferior a dois anos, tendo em conta as fases do desenvolvimento psicoafectivo de uma criança e da atenção que esta requer das figuras parentais, em qualidade e em quantidade. Aquele mito de que “tudo se cria” é demasiado simplório e completamente desajustado em relação aos conhecimentos que se têm hoje sobre as competências do bebé e relação pais-bebé.

Os pais devem ter paciência e ter uma escuta empática e atenta da criança, ajudando-a a expressar as suas dúvidas e inseguranças, que basicamente se resumem na interrogação sobre o amor parental: “Será que vão gostar menos de mim, agora o vosso amor vai ser dividido entre mim e o meu irmão?”

Deixar o filho expressar a sua angústia ajuda-o a lidar com a situação ligada à nova realidade familiar. Em vez de repreender a criança de forma moralista ou desvalorizar os seus sentimentos quando expressa ciúme, deve-se ouvir tranquilamente (a escuta é já só por si um processo tranquilizador) e depois devolver as respostas securizantes por que a criança tanto anseia. A maior parte das crianças irá gradualmente aceitando de forma natural o facto de ter nascido um irmão.

Nalguns casos, os pais não se apercebem da rivalidade que o irmão mais velho vai sentindo, porque este vai sofrendo em silêncio. Muitas vezes tem noção de que “não é bonito ter ciúmes do mano”, mas é difícil separar o emocional do racional, e a confusão que sente, com alguma vergonha, não lhe permitem desabafar, porque acha que os pais podem ficar desiludidos com as suas confissões. Assim, a criança sente-se na “obrigação” de parecer muito feliz, porque acha que é isso que os pais esperam de si.

Alguns pais, de tão maravilhados com o nascimento do filho, tendem a projetar esse sentimento no irmão mais velho. Não se iludam, existe alguma ambivalência relativamente ao nascimento de um irmão, quanto mais não seja pelo facto de que se trata de uma situação nova e o desconhecido acarreta alguma ansiedade e insegurança. A criança deve ser ajudada a perceber gradualmente que o seu novo lugar no seio da família como irmão mais velho não significa menos afecto. Como costumam dizer os pais, “o coração das mães e pais chega para todos os filhos”.

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