Já muita tinta correu, nestes últimos dias, sobre as mais recentes peripécias de um governo que se encontra perdido no espaço e no tempo. No espaço porque não se sabe colocar no seu devido lugar e no tempo porque ele é de campanha e de eleições. Não pode, contudo, perder o norte no que se refere à vida de milhares de professores que viram quase uma década da sua vida apagada em prol da santa dívida externa e do beato défice. Acrescento as minhas humildes considerações à enxurrada de palavras que têm sido desferidas por muitos, mas sempre contra os mesmos.
É de fiel justiça afirmar que todos temos direito a ver o nosso trabalho reconhecido e valorizado, independentemente dos governos ou das circunstâncias em que ele é feito. No caso dos professores, este direito é amplamente amputado enquanto o tempo integral de serviço não for reposto. Dirão: mas, se tal acontecer, serão muitos os professores que irão progredir na carreira. E pergunto eu: e qual é o problema? Se seria esse o normal desenrolar dentro desta carreira especial da função pública, não há qualquer tipo de razão para que tal não suceda.
Porque é que o Governo não tomou tão hirta postura quando o Novo Banco exigiu mais mil milhões de euros para cobrir o seu buraco, fruto única e exclusivamente da gestão danosa dos seus proprietários?
Esta questão ainda se torna mais interessante se colocarmos estas duas pretensões em perspectiva: de um lado, um banco privado, cujos eventuais lucros e dividendos serão distribuídos pelos seus accionistas à custa de injecções de capital sucessivas que saíram directamente das nossas carteiras; do outro, os professores, uma classe profissional imprescindível para um país que se quer culto e no caminho do progresso. Ora, será da mais elementar compressão perceber que sem o Novo Banco ou outro banco qualquer viveríamos bem, mas sem os professores não. Aliás, todo este teatro de António Costa mostra onde mora o seu compromisso e, mais uma vez, sou forçado a dizer que é com o capital.
Já se gastou tanto dinheiro mal gasto, já largámos de barato milhões e milhões para amparar as jogatinas da banca, mas não nos podemos dar ao luxo de abrir os cordões à bolsa para satisfazer as justas pretensões desta classe?
Dizem que não é justo tendo em conta todas as outras classes e teme-se que também elas virão reclamar o que é seu. Em primeiro lugar, o Governo mente quando tenta dividir os trabalhadores da função pública para tornar mais fraca a sua luta; e, em segundo, seria do interesse nacional que todos viessem e reclamassem aquilo que é seu por direito. Pode ser que assim paremos de nos auto-intitular um país de brandos costumes para dar lugar a um país de costumes justos.
Contudo, não poderia concluir esta breve análise sem aplaudir o PSD e o CDS pelo belo teatro que, em conjunto com o Governo, levaram a cena num dia para no outro arrumar as trouxas e fazerem-se a caminho da campanha. Ironias à parte, o Governo e a direita brincam com a vida das pessoas em prol de um jogo em torno dos votos. Não vale tudo, pensava eu.
Vão-se contentando com o nosso défice recordista nesta corrida frenética onde nunca se vai perceber quem ganha o quê.