O caminho faz-se a andar

Podíamos pedir desculpas aos mestres pelo aparente fracasso. Preferimos antes andar em frente, para prosseguir caminho.

Parece ter sido ontem, mas já se venceram 44 anos desde o início da Arquitectura Paisagista (AP) na Universidade de Évora. Ao tempo, chamava-se Planeamento Biofísico e Paisagístico e era um bacharelato, que dez estudantes iniciaram em novembro de 1975. Entretanto, o bacharelato passou a licenciatura, oficialmente reconhecida, em 1980, e o Instituto a Universidade, em 1979.

Ário Lobo de Azevedo, 1.º reitor, convidara Ribeiro Telles para pensar a estrutura curricular de uma formação inovadora. Este, por sua vez, mobilizara Alexandre Cancela d’Abreu, Margarida Cancela d’Abreu, Nuno José Noronha Mendonça e Eduardo Cruz de Carvalho, iniciando uma aventura em que embarcaram outros nomes, saberes e visões, ao longo de mais de quatro décadas.

O bacharelato era uma estratégia política a dois níveis: a criação de Universidades no dito interior e a superação dos obstáculos levantados ao reconhecimento oficial da licenciatura em AP. E Francisco Caldeira Cabral, nos anos 60, anunciara-a como uma profissão do futuro, ser formação necessária ao desenvolvimento do país.

Aquela denominação Planeamento Biofísico e Paisagístico encerrava uma visão abrangente, sistémica e integradora, nas vertentes artística, científica e social, que desse resposta ao mundo complexo e fragmentado de então, como de agora. A paisagem era entendida como chão comum, onde se cinzelava o passado e onde estava inscrito o futuro. Esta perspectiva era inovadora em 1975 e era contra-corrente, então como hoje. Enraizava-se numa atitude política, concretizava-se numa prática, assentava numa ética (cultural, ecológica, social, económica) e numa estética. Propunha a transformação da paisagem, com e para as comunidades, através do projecto de paisagem.

Este é o legado humanista, confiado por Ribeiro Telles aos que o acompanharam nessa aventura – na academia, no exercício da profissão, na administração central, regional e local. Assenta em vários esteios: a paisagem é um conceito fundamental na definição de políticas públicas; qualquer decisão sobre a paisagem deve ser sempre prospectiva e garantir a melhoria da qualidade de vida de todos os seres vivos; as questões ecológicas não são, portanto, impeditivas do desenvolvimento económico; uma gestão e uma política de paisagem pressupõem o trabalho integrado a diferentes escalas: do planeamento ao desenho de projecto; a paisagem é um conceito operativo, pela sua dimensão cultural ecológica, estética e afectiva, no qual o pensamento e a prática de ordenamento devem assentar; a paisagem não é um cenário, mas um sistema vivo, dinâmico, que se configura num espaço físico, com uma morfologia e cultura próprias em permanente transformação; toda a investigação e prática devem assentar nas comunidades e nas suas dinâmicas, recusando-se a investigação em circuito fechado.

E apesar deste lastro e desta inovação, é escassa a procura do curso de AP no universo nacional dos candidatos ao ensino superior. Que indiciará? Que a profissão não é (re)conhecida pela sociedade e pelos nossos pares? Que se valoriza um conhecimento assente numa especialização fragmentada, e não um conhecimento integrador de várias áreas de saber? Que o tempo longo a que a arquitectura paisagista se dirige não se compadece com a fugacidade do tempo contemporâneo? Perante a falta de candidatos ao 1.º ciclo de AP, no ano lectivo 2019- 2020, a Universidade de Évora suspendeu a oferta.

Esta decisão interromperá uma escola de pensamento e de acção: é vasto o número de antigos alunos que são referência no panorama nacional e internacional da AP, reconhecido social e institucionalmente. Depois, o país debate-se com cheias, incêndios, erosão da faixa costeira, ciclo da água, contaminação e degradação do solo e do ar, abandono do mundo rural – estas questões prementes, mais que nunca, exigem o corpo teórico, a praxis e os quadros da arquitectura paisagista, que assegurem as permanências mutáveis que garantam a Vida, e que combatam a delapidação da paisagem em Portugal.

Podíamos pedir desculpas aos mestres pelo aparente fracasso. Preferimos antes, inspirados no seu gesto, andar em frente, para prosseguir caminho.

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