Os jornalistas e o voto

Exijamos mais, pois – de Portugal e da União Europeia. Mas também de nós próprios. Comecemos por votar.

No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, que se assinalou ontem, o Sindicato dos Jornalistas lançou um vídeo curto, com 21 jornalistas portugueses a apelarem ao voto nas eleições europeias, agendadas para 26 de maio. Os 21 ainda hão-de ser 28, tantos quantos os Estados-membros da União Europeia, com Reino Unido dentro, num vídeo maior que será lançado mais perto da data das eleições.

Quando avançámos com esta campanha, que faz parte de um projeto mais abrangente chamado “Uma Imprensa livre, uma Europa democrática”, financiado pelo Parlamento Europeu, receávamos que os jornalistas resistissem à ideia de se envolverem, de darem a cara por um apelo claro e inequívoco: enquanto cidadãos, os jornalistas não só consideram fundamental exercer o direito de voto, como instam a que todos façam o mesmo.

Estávamos enganados: encontrámos jornalistas conscientes, preocupados e empenhados, que alinharam na campanha #destavezeuvoto, aberta a todos os cidadãos que nela queiram participar. O resultado provisório, em formato chamariz, está aqui.

Os jornalistas, enquanto cidadãos com direitos e deveres especiais, têm uma responsabilidade acrescida em promover a cidadania e a participação democrática, numa era em que a desinformação conquistou uma dimensão viral e uma rapidez incontrolável, em que uma parte de nós, cidadãos, parece preferir ser alimentado apenas com ideias semelhantes às suas, reforçando convicções, em vez de se deixar questionar pelo saudável confronto de perspetivas. E assim fertilizando o terreno para as ideias populistas, nacionalistas e xenófobas.

A Federação Europeia de Jornalistas escolheu o tema “Média e Democracia: jornalismo e eleições em tempos de desinformação” para assinalar o 3 de maio deste ano.

As eleições de 26 de maio são cruciais para o futuro das democracias na Europa – e, com estas, da liberdade de imprensa.

Não precisamos sequer de sair da União Europeia para falar de ataques à liberdade de imprensa. Não esqueçamos – nós não esquecemos – as mortes recentes de três jornalistas que investigavam a corrupção, nem a impunidade dos seus autores:

Viktoria Marinova, Bulgária, 2018
Ján Kuciak, Eslováquia, 2018
Daphne Caruana Galizia, Malta, 2017

Não esqueçamos os regimes no poder em países como Hungria, Bulgária, Polónia, Eslováquia, República Checa... cujos líderes políticos são autores de ameaças ao jornalismo sem precedentes. E, abrindo ao continente europeu, não esqueçamos também as recorrentes violações na Rússia e na Turquia, onde também se morre ao serviço da liberdade de imprensa.

Em 2018, os Repórteres Sem Fronteiras alertavam: “o habitual ambiente seguro para os jornalistas na Europa começou a degradar-se.” No último relatório, já perguntam: “Houve uma barragem que explodiu na Europa?”, assinalando que “a Europa continua a ser o continente que melhor garante a liberdade de imprensa, mas o trabalho dos jornalistas de investigação tem sido dificultado mais e mais”.

Mesmo aqui ao lado, em Espanha, os jornalistas da estação pública TVE manifestaram-se contra o que consideraram ser uma cobertura jornalística parcial e enviesada do referendo independentista na Catalunha – e os Repórteres Sem Fronteiras baixaram Espanha no índice da liberdade de imprensa de 2018.

No último relatório, de 2019, os Repórteres Sem Fronteiras dizem de Portugal ser “relativamente calmo” – apesar de o mundo do futebol ser “muito agressivo em relação aos media” e de continuar a criminalização desproporcionada do insulto e da difamação, não obstante os repetidos avisos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considerando que essas condenações violam a liberdade de expressão.

Porém, acontece que, no mesmo país da relativa calma, “os jornalistas são mal pagos e a insegurança laboral é crescente”. Não há independência que resista às contas por pagar e à ameaça constante do desemprego, num cenário de excessiva concentração de um bem público – a informação – nas mãos de grandes grupos económicos, à mercê da banca e na busca do lucro.

É nosso dever – dos jornalistas, mas também de qualquer cidadão empenhado em continuar a viver em democracia e liberdade – interromper o curso atual das coisas. Dar ao jornalismo o lugar que lhe pertence – para mediar, verificar, escrutinar. Para nos ajudar a ler o mundo, através de uma panóplia de olhares.

Tendo presente de que não há democracia sem jornalismo, mas também que o jornalismo não existe, independente e livre, sem democracia. Exijamos mais, pois – de Portugal e da União Europeia. Mas também de nós próprios. Comecemos por votar.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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