Paisagem: que desenho para o futuro?

A não abertura do primeiro ano do curso de Arquitetura Paisagista em Évora representa uma falência e uma derrota. E a derrota não será de uma universidade, mas de um país inteiro.

Setecentos e cinquenta mil quilómetros dariam, quase, para ir à Lua e voltar, ou dar 18 voltas ao nosso planeta. Ao longo de mais de três décadas, este é o número estimado de quilómetros percorridos num trabalho continuado de mapeamento fotográfico do espaço português. Quando se percorre exaustivamente um território constrói-se um olhar particular. Há como que um fascínio que nos chama para a tarefa de representação da paisagem. Aprendemos a ler sinais subtis de lugares recônditos, sejam eles relacionados com a geologia, com a complexidade biológica, ou com a relação que nós, Sapiens, estabelecemos com os lugares, com a sua transformação, com a construção do labirinto a que poderemos chamar cidade, civilização.

Os ecrãs luminosos exercem sobre todos nós uma poderosa sedução. Mostram-nos a face “doce”, estetizada e aparentemente acessível, de muitas paisagens. Dão-nos a sensação de pertença, de ali termos estado. Dão-nos a ilusão do conhecimento. Mas é com os pés na terra que se poderão construir laços sólidos com o solo. Só a vivência do campo aberto nos permite sentir o corpo em integração numa cosmogonia vasta que nos prende às mais arcaicas dimensões do nosso ser biológico. Subamos ao alto das montanhas, percorramos troços de rios ou observemos o rebentar das ondas nas praias do inverno.

A não abertura do primeiro ano do curso de Arquitetura Paisagista anunciada para o próximo ano letivo representa uma falência e uma derrota. Não está em causa a capacidade da Universidade de Évora atrair alunos, estão postas a nu políticas públicas de abandono da terra. A derrota não será de uma universidade mas de um país inteiro. A Arquitetura Paisagista liga o entendimento e o conhecimento científico da terra ao futuro, ao desenho transformado em cidade, em sociedade. Mais do que nunca as cidades precisam de ser reinventadas.

A vida na Terra não precisa de nós, humanos, para continuar a evoluir estranhas e fantásticas formas de sobrevivência a um ambiente sempre em mudança. Nós precisamos da Natureza. Muito deste necessário “regresso” a essa Natureza terá de ser feito de modo criativo. Temos que trazer a biodiversidade para dentro das cidades. A Arquitetura Paisagista não se detém apenas sobre o desenho ou a recuperação de jardins, mas equaciona toda a relação que estabelecemos com o coberto vegetal, que traz consigo uma miríade de outros povoadores. Neste “antropoceno” podemos temer que a nossa sobrevivência como espécie passe pelo desenho de uma paisagem renovada. Os arquitetos paisagistas estarão nas fileiras avançadas neste combate, que já aí está, contra as alterações climáticas.

Voltamos à estrada. Em qualquer ponto do território português, que teima em se reerguer do fogo, encontramos pontos de interesse. É interminável um trabalho de registo fotográfico na fixação de memórias dos lugares, no estabelecimento de relações topológicas inusitadas entre pontos distantes, na procura de novas soluções de comunicação para estimular a consciência ambiental dos portugueses. É do conhecimento que se erguem soluções para evitar o continuado despovoamento de vastas regiões do “interior” de Portugal, território de abandono e desencontro. E as raízes desta realidade já se vão perdendo em tempos imemoriais. Na invulgar diversidade geográfica da nossa paisagem estará porventura desenhada a nossa maior singularidade neste planeta que habitamos. Prossigamos a viagem.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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