Morreu o biólogo e ambientalista José de Almeida Fernandes

Durante a sua carreira ajudou a desenvolver vários organismos ligados à conservação do ambiente. Um visionário, com grande conhecimento científico, e “uma jóia de pessoa”, descreve quem o conheceu.

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Morreu, na madrugada desta segunda-feira, aos 87 anos, o biólogo e ambientalista José de Almeida Fernandes. Ao longo da sua vida esteve ligado à formação e expansão de vários organismos ligados à defesa do Ambiente, num trabalho reconhecido em 2010 com a atribuição do Prémio Carreira Fernando Pereira. Quem se cruzou com ele descreve-o como uma pessoa que aliava o grande conhecimento científico, à capacidade organizativa e acção política, e que foi crucial para o desenvolvimento das políticas de conservação da natureza em Portugal.

A socióloga e investigadora Luísa Schmidt, uma das responsáveis pela introdução da Sociologia do Ambiente no país, diz que o conheceu primeiro como “entomologista”, mas recorda sobretudo o trabalho que desenvolveu à frente de diversos organismos ligados ao ambiente. “Tinha uma grande profundidade na forma como abordava os assuntos e ouvia opiniões, e uma grande capacidade de ir buscar as pessoas certas para os lugares certos, algo que é muito importante. Fazem-nos falta essas figuras que alinham simultaneamente o conhecimento, a capacidade organizativa e a acção política. O ambiente precisa de pessoas assim.”

“Do ponto de vista humano era uma jóia de pessoa”, diz o biólogo Jorge Palmeirim, que chegou à direcção da Liga da Protecção da Natureza (LPN) – de que foi posteriormente presidente – pela mão de José de Almeida Fernandes. “Convidou-me para a direcção da LPN quando eu tinha 20 anos e ainda era estudante, o que demonstra bem a visão que tinha de que era importante envolver as pessoas mais jovens nas questões do Ambiente e da conservação ambiental”, conta.

O professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa considera mesmo que “das muitas contribuições importantes” deixadas por Almeida Fernandes, “aquela que talvez tenha sido a maior de todas foi o envolvimento da sociedade para estas questões”. “Era uma pessoa extraordinária e com uma visão futurista da conservação da natureza, numa fase em que ainda ninguém pensava nessa questão ou na educação ambiental”, refere.

José de Almeida Fernandes nasceu a 17 de Agosto de 1931. Formou-se em Ciências Biológicas, foi professor universitário e trabalhou como naturalista no Museu Zoológico e Antropológico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, antes de se envolver na fundação, direcção e desenvolvimento de diversas associações e organismos ligados ao ambiente.

Foi durante vários anos presidente da Liga para a Protecção do Ambiente e do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, e fundador e presidente do Instituto Nacional do Ambiente (INAmb), que antecedeu o Instituto de Promoção Ambiental. Carlos Pimenta, secretário de Estado do Ambiente de dois governos do PSD nomeou, por duas vezes, José de Almeida Fernandes “que era próximo do PS”, diz, para instituições públicas. “Não tive qualquer dúvida”, diz, a partir do Luxemburgo, quando se prepara para regressar a Portugal para participar nas cerimónias fúnebres do homem que considera “um amigo” e de quem diz ter já “uma saudade imensa”. “Já o conhecia antes [das nomeações] participei em longas sessões de educação ambiental com ele, aprendi muito”, afirma. “Era um pedagogo, ensinou-me a ver a beleza complexa da natureza e dos ecossistemas. Era biólogo de formação, mas tinha uma imensa cultura e era capaz de transmitir em palavras a beleza da natureza e a complexa interacção dos seres vivos e elementos naturais. Tinha uma grande formação científica, mas sem perder a poesia, a estética, a beleza, a capacidade de nos emocionar.”

Carlos Pimenta nomeou Almeida Fernandes, em 1983, para presidente do Instituto da Conservação da Natureza e, em 1986, como primeiro presidente do recém-criado INAmb. Recorda a criação “difícil” de parques naturais como o de Montesinho, de Sintra-Cascais ou da Costa Vicentina. “Em alguns casos não era fácil explicar às populações que passava a haver um estatuto de protecção, mas ele tinha esse dom de fazer despertar nas pessoas essa percepção”, afirma o ex-governante, concluindo: “Ele era aquela imagem que a gente tem do servidor público, com dezenas de anos de carreira pública, sem outra agenda que não fosse o bem público”.

Investigador e divulgador de ciência (em 2002 lançou, por exemplo, Do Ambiente Propriamente Dito – Considerações pouco canónicas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento Humano), José de Almeida Fernandes é também descrito como alguém capaz de antever os problemas relacionados com o ambiente antes de eles se tornarem um aspecto central da agenda política, e capaz de impor a sua visão sobre esses temas.

É isso mesmo que refere Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero, que, quando era “pouco mais do que um miúdo”, se cruzou com José de Almeida Fernandes. “Ele foi uma figura marcante nos primórdios da conservação da natureza e da política de conservação da natureza em Portugal. Falamos da década de 1970, quando nasceram os parques da Peneda-Gerês, da Serra da Estrela, da Arrábida. Foi a década da construção da rede de áreas protegidas e, depois, na década de 1980, essa expansão continuou. Todo esse trabalho de estruturação e dinamização que é o nosso actual quadro de parques e de reservas de património natural foi muito influenciado por ele. Foi uma figura decisiva numa altura em que realmente a sensibilidade para as questões ambientais e de natureza era ainda muito limitada”, diz.

O ambientalista refere-se a Almeida Fernandes como uma pessoa “muito simpática e aberta” e, tal como Jorge Palmeirim, salienta o trabalho do biólogo em torno da educação e do envolvimento da sociedade nas questões do ambiente e da conservação da natureza. “Ele foi o primeiro presidente do INAmb, o primeiro instituto criado para dar voz e integrar a participação da sociedade civil nas políticas ambientais”, refere. “O trabalho dele foi essencial numa altura crucial da política ambiental e em particular da conservação da natureza no país.”

Uma opinião que é partilhada por Luísa Schmidt. “Era uma figura com uma profundidade e um carácter muito fortes, que sabia exactamente o que era preciso fazer e lutava por isso. Na época áurea, do final dos anos 1980, com dirigentes como ele – juntamente com Ribeiro Telles ou Carlos Pimenta –, os serviços do Ambiente funcionaram muito bem, funcionaram a sério”, diz.

Jorge Palmeirim concorda. “Foi sempre muito virado para o serviço público, sempre muito desinteressado e acabou por ter uma importante contribuição tanto através da ciência, como da LPN, ajudando a dar um pulo qualitativo nas questões do ambiente e da conservação da natureza com as funções que desempenhou na administração pública”.

José de Almeida Fernandes era pai da jornalista da PÚBLICO Ana Fernandes e do ex-director do jornal e actual publisher do Observador, José Manuel Fernandes. O velório realiza-se esta segunda-feira na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa, a partir das 17h. A missa de corpo presente tem lugar amanhã no mesmo local, pelas 15h. 

Texto actualizado com declarações de Carlos Pimenta.

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