Querem perceber o que é mesmo estúpido?

Infelizmente não é só com “as famílias” que a gestão irrazoável da relação entre a esfera do público e do privado se tornou o pão nosso de cada dia.

O que é mesmo estúpido é que estamos a cavar a nossa fossa na lama. O que é mesmo estúpido é este esbracejar que nos vai afundando numa amálgama em que os factos se baralham com opiniões, opiniões com impressões, impressões com preconceitos... Uma amalgama tóxica em que se destrói a verdade e o espaço público se torna o lodaçal que abre caminho ao populismo.

A semana, qualquer das últimas semanas, está pejada de exemplos. Pegue-se no caso “Parlamento adjudica estadia de deputados a hotel de deputada e do pai” reportado pelo Observador. Procurei no Google. Uma noite no hotel da deputada custa mais ou menos metade de uma estadia no único hotel similar que existe em Castelo Branco. Mas que valesse o mesmo ou mais, alguém crê que por 486 euros – o que o Parlamento pagou pela estadia dos deputados – alguém se sujeitaria a ser acusado de favorecimento?

É a equação de solução impossível: por um lado, criticam-se os políticos que fazem carreira só dentro da política, por outro lado, torna-se impraticável que alguém que tem uma carreira no privado possa, sob risco de a sua actividade se cruzar com o Estado, exercer um cargo público sem ser alvo de suspeições intoleráveis.

Infelizmente não é só com “as famílias” que a gestão irrazoável da relação entre a esfera do público e do privado – alguém consegue identificar os seus parentes até ao 6.º grau? – se tornou o pão nosso de cada dia. Basta ver o que se disse esta semana a propósito do estudo encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre a sustentabilidade do nosso sistema de pensões.

Para a maior parte, a ideia – um dos três cenários de solução apresentados pelo estudo – de que seria necessário aumentar a idade da reforma para os 69 anos não passa de uma tentativa dos “privados de abrir o mercado aos privados”, palavras do ministro Vieira da Silva. Que importa que a fundação se dedique há anos a contribuir, através do Pordata, da edição de inúmeros livros, de várias outras iniciativas, para uma discussão sustentada de alguns dos mais relevantes problemas da nossa comunidade? Que importa que todos saibamos que a demografia nos leva inevitavelmente para saldos negativos? Importante mesmo é que o estudo foi pago por privados que devem ter intenções capciosas.

Como não subscrever o que Pacheco Pereira escreveu este sábado no PÚBLICO: “O populismo em Portugal está a crescer e, mesmo que ainda não tenha a ‘rua’, domina as redes sociais e domina cada vez mais a discussão pública.”

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