Durão Barroso: interesse público foi “salvaguardado” na lei que criou os contratos da EDP

O antigo primeiro-ministro Durão Barroso garantiu à comissão de inquérito das rendas da energia que a legislação dos CMEC foi desenhada de modo a que os produtores eléctricos não saíssem beneficiados à conta dos consumidores.

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Durão Barroso foi primeiro-ministro entre 2002 e 2004. Hoje é presidente do Goldman Sachs International Ricardo Castelo/NFACTOS

O antigo primeiro-ministro José Manuel Durão Barroso garantiu este sábado que o interesse público foi “devidamente e escrupulosamente salvaguardado” quando o seu governo desenhou os CMEC - Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual, que tinham o objectivo de garantir a neutralidade financeira face aos contratos de aquisição de energia eléctrica (os CAE) que visavam substituir. O ex-governante, que é hoje presidente do banco Goldman Sachs International, assegurou ainda que nunca foi pressionado pela EDP no decurso do processo.

Estas posições são defendidas num conjunto de 23 respostas que Durão Barroso deu, por escrito, à comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de electricidade, documento a que a agência Lusa teve hoje acesso. Durão Barroso é o único ex-chefe de executivo que, até ao momento, respondeu às perguntas dos deputados.

“O princípio subjacente a todo o trabalho então desenvolvido pelo Governo neste âmbito foi o de garantir a neutralidade financeira na transição dos CAE [Contratos de Aquisição de Energia] para os CMEC de modo a que os produtores não auferissem benefícios adicionais. E a posição adoptada pelo meu Governo viria a ser validada pela Comissão Europeia, que concluiu pela inexistência de ajudas de Estado”, garantiu.

Segundo o antigo primeiro-ministro social-democrata, “o interesse público foi, pois, devidamente e escrupulosamente salvaguardado pelas orientações e medidas tomadas” pelo seu governo.

“Coisa diferente, sobre a qual não tenho elementos para me pronunciar, é avaliar as consequências do modo da posterior implementação e alterações do regime definido”, justificou.

O governo que liderou, segundo Durão Barroso, “notificou a Comissão Europeia da legislação em preparação e naturalmente terá havido consultas e esclarecimentos nesse processo”, mas, garante, que nele não teve qualquer intervenção.

O mandato de Durão Barroso como primeiro-ministro, entre 2002 e 2004, terminou para que assumisse o cargo de presidente da Comissão Europeia, tendo sido substituído como chefe de executivo por Pedro Santana Lopes.
Durão Barroso destacou ainda que “a resposta definitiva da Comissão ao projecto legislativo veio já depois da vigência” do seu governo.

“Coube, pois, ao Governo seguinte decidir acerca dos passos posteriores e, como se sabe, qualquer governo tem a liberdade de reapreciar os processos transmitidos por quem o precedeu”, afirmou.

Benefícios para a privatização

Segundo a versão preliminar do relatório final da comissão de inquérito, redigida pelo deputado do Bloco de Esquerda Jorge Costa, no processo de cessação dos CAE e transição para mercado, o Governo recebeu argumentos jurídicos do regulador ERSE que defendiam a viabilidade legal de uma revisão do equilíbrio contratual e propostas de modelos alternativos aos CMEC por parte da Autoridade da Concorrência e da ERSE, designadamente um modelo de leilões de capacidade virtual.

Mas o que acabou por pesar na decisão política do modelo dos CMEC, em 2003 e 2004, foi “a importância dos CAE no valor da EDP e a posição da empresa face à concorrência espanhola no futuro mercado ibérico. Ambas as preocupações devem ser lidas à luz do processo em curso de privatização da empresa”, refere o relatório, que conclui que a manutenção do equilíbrio contratual dos CAE foi uma decisão política do governo Durão Barroso, consumada já sob o governo Santana Lopes com a aprovação do decreto-lei 240/2004.

“Nunca recebi qualquer ‘pressão’ da EDP durante esse ou outro período”, assegurou ainda o antigo primeiro-ministro aos deputados da comissão de inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de electricidade. Na pergunta 14, os deputados da comissão de inquérito perguntam ao antigo chefe do executivo se “alguma vez foi pressionado pela EDP durante o período de construção da legislação dos CMEC”.

Já sobre as declarações de João Talone, antigo presidente da eléctrica, que na mesma comissão de inquérito disse que a “EDP esteve fortemente envolvida” no desenho dos CMEC, Durão Barroso considerou ser normal. “Parece-me absolutamente normal (o contrário é que seria de estranhar) o envolvimento nesse processo de todos os principais players, sobretudo aqueles directamente ligados ao interesse do Estado”, defendeu.

Instado a fazer um balanço sobre os CMEC, o antigo primeiro-ministro deixou claro que “seria imprudente” fazê-lo, afirmando não estar em condições de se pronunciar sobre qualquer estimativa de custos. “Trata-se de matéria em que não pretendo ter qualquer expertise técnica e a qual não segui suficientemente para além, claro está, do papel (que plenamente assumo) que nela tive como primeiro-ministro, definindo as orientações políticas gerais, as quais estou seguro terem sido as adequadas do ponto de vista do interesse nacional”, destacou.
 

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