Militantes expulsos do PS ameaçam fazer campanha contra o partido

Na base da sanção está a participação de socialistas em listas independentes nas autárquicas de 2017. Só em Vizela foram expulsos cerca de 200. Comissão Nacional de Jurisdição acusada de “não expulsar os amigos”.

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Sede nacional do PS no Largo do Rato, em Lisboa Miguel Manso

Ao fim de quase dois anos, o PS decide expulsar centenas de militantes que em 2017 concorreram em listas independentes, deixando furiosos muitos deles que ameaçam agora fazer campanha contra o partido liderado por António Costa.

“Não vamos votar no PS e vamos aconselhar as pessoas a não votarem”, afirma Cândido Gomes, um empresário de Barcelos que dedicou trinta anos ao partido. Este militante, que integrou a lista para a assembleia municipal pelo movimento independente Barcelos, Terra de Futuro, acusa o partido de o expulsar sem lhe ter dado a oportunidade de ser ouvido. “Se Mário Soares fosse vivo, dava não sei quantas voltas à mesa”.

Indignado com a sanção, o empresário acusa aquele que foi o seu partido durante muitos anos de “falta de seriedade" neste processo e explica porquê. “Há que pessoas nas mesmas circunstâncias que eu que não foram expulsas”. “O presidente da Junta de Freguesia de Balugães, Paulo Fagundes, é do PS e integrou uma lista independente afecta ao PSD nas autárquicas e não foi expulso”, atira o ex-socialista, acrescentando: “Para além deste caso, tenho mais 13 pessoas que não foram expulsas, algumas das quais integraram a lista para a Assembleia Municipal de Barcelos em lugares mais cimeiros do que o meu - 58.ª posição -, e também não lhes aconteceu nada”.

“Isto leva-me a pensar que o PS expulsou aqueles que não queria e manteve os amigos, como é o caso do presidente Junta de Balugães, que é amigo de Hugo Pires, deputado eleito por Braga”. “Nas legislativas de 2015, Hugo Pires pediu-me apoio para fazer a campanha e agora não teve uma palavra para me dar, nem ele nem Joaquim Barreto também deputado e líder da distrital do PS de Braga”, queixa-se o ex-socialista que esta quarta-feira recebeu uma carta do gabinete de organização de dados do PS a dizer que o seu nome já não consta do PS.

Braga - onde António Costa vai estar nesta quinta-feira - é o distrito com mais expulsões. O ex-presidente da Câmara de Fafe, José Ribeiro, que liderou uma lista independente à assembleia municipal, não tem dúvidas de que em Braga “haverá muita gente que não vai votar PS” nas eleições que se avizinham. “Estas expulsões são um assassinato aos dirigentes do PS dos últimos trinta anos e isto não pode deixar de ter reflexos eleitorais”, vaticina José Ribeiro, que foi eleito presidente da assembleia municipal.

José Ribeiro desafiou a direcção nacional a afastá-lo do partido, mas sem sucesso. Há três meses escreveu uma carta a António Costa a desfiliar-se do PS na qual  dizia: “Não suporto mais tanta indignidade, tanto desrespeito e tanta desconsideração”. Em declarações esta quarta-feira ao PÚBLICO, o autarca abriu o livro das críticas para dizer que António Costa continua a ver o país através da janela de São Bento. “Quando Costa promoveu o assalto ao PS, António José Seguro dizia que António Costa via o país através das janelas da Câmara de Lisboa, porque era presidente da Câmara de Lisboa na altura; como primeiro-ministro, continua a ver o país da mesma forma, só que agora é através da janela de São Bento. O resto não interessa”, afirma.

Ao fim de 25 anos de militância, Antero Barbosa, outro socialista, soube esta terça-feira que já não faz parte dos ficheiros do PS. “Nunca um processo [idêntico] chegou ao fim. O PS sempre foi tolerante e, neste caso, quem perde é o partido. Deixa de ter pessoas válidas, que têm uma história de trabalho e de luta em prol do PS”, considera Antero Barbosa, protagonista de uma candidatura independente em 2017. A escolha partiu da concelhia de Fafe, mas a direcção nacional impôs o independente Raul Cunha, que tinha manifestado indisponibilidade para se recandidatar.

Em Vizela, o processo de expulsão decorreu em duas fases: a primeira antes da abertura do processo eleitoral e a segunda já depois de Victor Hugo Salvado entregar as listas em tribunal. As expulsões que decorrem desta segunda fase são as que estão a agora chegar aos militantes. Victor Hugo Salvado, ex-vice-presidente da câmara, candidatou-se pela Associação Vizela Sempre, tendo-se demitido do PS no dia em que apresentou a sua candidatura independente. Pelas suas contas, o PS expulsou cerca de 200 militantes em Vizela. “Já não há PS em Vizela. O PS é uma manta de retalhos”.

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