Boatos sobre raptos em França provocam ataques contra a comunidade cigana

Grupos de vigilantes atacam e ameaçam ciganos acusados de raptarem mulheres e crianças numa carrinha branca. Polícia desmente e recorda que a partilha de boatos é punida com multas pesadas.

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O mito da carrinha branca é recorrente em vários países DR

A polícia francesa deteve pelo menos 20 pessoas nos últimos dias, nos arredores de Paris, por causa de uma onda de ataques e ameaças contra a comunidade cigana. Apesar dos desmentidos das autoridades, ganhou força nas redes sociais o boato de que há ciganos a raptar mulheres e crianças numa carrinha branca, para redes de prostituição ou venda de órgãos.

As fotografias e vídeos com imagens de carrinhas brancas nos arredores de Paris, principalmente nos subúrbios de Clichy-sous-Bois e Bobigny, começaram a ser partilhadas há semanas.

Mas foi na noite de 16 de Março que aconteceram as primeiras detenções, quando um grupo de pessoas cercou uma carrinha branca que estava estacionada numa rua em Colombes, também nos arredores de Paris. Os dois homens que estavam no interior da carrinha foram acusados de andarem a raptar crianças e sofreram ferimentos ligeiros.

Segundo a agência de notícias AFP, outros grupos de vigilantes atacaram ciganos em Clichy-sous-Bois e Bobigny, nos últimos dias, e montaram vigílias nas proximidades de acampamentos.

Quando a situação começou a ficar descontrolada, com as vítimas a denunciarem um clima de medo, a polícia francesa e os políticos locais vieram dizer que a história da carrinha branca é uma mentira.

“Os rumores sobre o rapto de crianças numa carrinha são completamente infundados. Não há registo de nenhum rapto”, disse a polícia de Paris na terça-feira. “Não partilhem esta informação falsa, não incitem à violência.”

Em comunicado, a polícia de Versailles lembrou que a partilha de informações falsas é punida em França com multas de 45 mil a 135 mil euros.

Numa reacção aos ataques e ameaças, a associação La Voix des Rroms, que representa a comunidade cigana em França, denunciou a partilha de “informações falsas racistas” e disse que há “muitas pessoas com ferimentos graves e milhares com medo”.

“Estes estereótipos racistas sobre ciganos raptores de crianças remontam à Idade Média em França, e já provocaram crises de violência mortal”, disse a associação no Facebook.

“Os mesmos mecanismos falsos de desumanização que levaram aos massacres dos rohingya na Birmânia e dos peuls no Mali estão na base destas tentativas de homicídio em França.”

O mito da carrinha branca não é novo e tem surgido em outros países ao longo dos anos.

Na Índia, por exemplo, várias pessoas inocentes são espancadas até à morte todos os anos, depois de serem erradamente identificadas como raptores de crianças – boatos que chegam a milhões de pessoas em várias regiões através das aplicações de mensagens, como o WhatsApp.

Há menos de dois anos, as autoridades francesas tiveram de desmentir um boato semelhante em Loiret, uma centena de quilómetros a Sul de Paris.

“A fotografia de uma carrinha branca tem sido partilhada nas redes sociais. De acordo com alguns comentários, essa carrinha estará na origem de tentativas de rapto de crianças e adultos. Depois de verificarmos, constatámos que a fotografia não foi tirada em Loiret, mas sim no Norte de França”, disse na altura a polícia local.

E há quatros meses, uma criança de 11 anos confessou ter mentido quando disse à polícia de Yvelines, a Oeste de Paris, que um homem numa carrinha branca tentou raptá-la.

Fake news: inquérito terminado. A criança inventou a tentativa de rapto”, anunciou a polícia de Yvelines nas redes sociais.

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