O que aconteceu ao artigo 13? Directiva dos direitos de autor perto da votação final

Onde está o artigo 13 no novo texto da directiva dos direitos de autor? Quando é a votação final? E os memes? Perguntas e respostas para perceber o que está em causa com a nova directiva dos direitos de autor.

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Nas últimas votações, a maioria dos eurodeputados portugueses envolvidos votou a favor LUSA/PATRICK SEEGER

A votação final sobre a nova directiva dos direitos de autor na União Europeia será já na próxima semana. Após discussões acesas, os eurodeputados vão finalmente decidir se o espaço europeu passará a ter novas regras para os conteúdos que são publicados na Internet.

Vários protestos contra o texto final, que continua a incluir as regras do controverso artigo 13 (que passou a ser o artigo 17 na mais recente versão), estão planeados para o dia 23 de Março, este fim-de-semana, em várias capitais europeias, incluindo Lisboa. Se o texto conseguir luz verde no Parlamento Europeu, será a primeira vez que estas regras são actualizadas desde 2001.

Eis algumas perguntas e respostas sobre a directiva, acompanhadas por excertos do texto original em inglês. A versão portuguesa ainda não está disponível e as traduções neste artigo foram feitas pelo PÚBLICO, não sendo o texto oficial. 

  1. O que aconteceu aos artigos 11 e 13? Desapareceram?
  2. Isso não vai gerar confusão?
  3. Em que dia é a votação?
  4. Mais direitos ou censura? Por que é que ninguém concorda sobre as consequências da directiva?
  5. A directiva pode acabar com memes e paródias?
  6. E o resto do artigo 17 (antigo 13)? Quais são as grandes críticas?
  7. Mas os sites já fazem filtração de conteúdo? 
  8. Porquê o nome “máquina da censura”?
  9. Todos os sites e plataformas online têm de respeitar o artigo 17?
  10. E o resto da directiva?
  11. Se o artigo 13 é agora o artigo 17, o que diz afinal o artigo 13? E o 11?
  12. Quem é que ganha se a directiva não passar?
  13. O que acham os eurodeputados portugueses?

O que aconteceu aos artigos 11 e 13? Desapareceram?

Os artigos que mais controvérsia têm gerado – e que são explicados mais abaixo – têm agora uma nova posição na directiva. Na versão partilhada esta quarta-feira, dia 20 de Março (que é aquela que vai ser votada em Parlamento), são o artigo 15 e artigo 17, respectivamente.

O artigo 15 (antigo 11) foi criado para obrigar agregadores de notícias, como o Google News, a pagar pelos excertos que acompanham as hiperligações. Já o artigo 17 (antigo 13) pretende responsabilizar os prestadores de serviços online pelo conteúdo que alojam, mesmo que tenha lá sido colocado por utilizadores.

Isso não vai gerar confusão?

Na altura da votação final, os eurodeputados terão acesso aos artigos com a nova e a antiga numeração.

Em que dia é a votação?

Terça-feira. “A votação final deve acontecer no dia 26”, confirmou ao PÚBLICO John Schranz, assessor de imprensa do Parlamento Europeu. Antes, existirá um debate final. Três dias antes, estão marcados protestos em várias cidades dos Estados membros.

Mais direitos para os artistas ou censura? Por que é que ninguém concorda sobre as consequências da directiva?

Contrariamente aos regulamentos (como é o caso do RGPD, que foi criado para proteger os dados pessoais dos europeus), as directivas são regras criadas pelos legisladores europeus, mas não são leis vinculativas. Se a directiva for aprovada no Parlamento Europeu, terá de ser transposta para os sistemas legais dos 28 Estados Membros. É um processo que pode demorar até dois anos.

É por este motivo que alguns artigos da directiva não são precisos: por exemplo, o artigo 15 (antigo artigo 11) não define o tamanho exacto de “excertos muito pequenos”, que são excepções ao disposto no artigo.

The rights provided for in the first subparagraph shall not apply in respect of the use of individual words or very short extracts of a press publication. [Artigo 15]

A directiva pode acabar com memes e paródias?

“Não.” É a resposta da Comissão Europeia, num conjunto de perguntas e respostas dedicadas a esclarecer os pontos mais importantes da nova directiva dos direitos de autor.

Uma das críticas mais levantadas nas redes sociais é a possibilidade de o artigo 17 (antigo 13) incluir memes na sua rede de proibição. Os memes são os fenómenos humorísticos da Internet que exprimem uma ideia ao manipular uma imagem, frase ou vídeo e são muito usados em redes sociais.

Além da resposta da Comissão, na versão actual da directiva, as excepções listadas incluem material utilizado como “citação, crítica, e comentário” ou “usado para o propósito de uma caricatura, paródia, ou pastiche [arte na qual se imita a maneira de outro escritor ou artista]”

Member States shall ensure that users in each Member State are able to rely on any of the following existing exceptions or limitations when uploading and making available content generated by users on online content-sharing services: (a) quotation, criticism, review; (b) use for the purpose of caricature, parody or pastiche. [Artigo 17]

A definição destas excepções na directiva protege os memes, acrescenta a Comissão Europeia. “Até agora, as excepções sobre os direitos de autor eram apenas opcionais e os Estados Membros decidiam, ou não, implementá-las”, lê-se no site. “Uma vez que a directiva seja aprovada, os Estados Membros serão obrigados a permitir estas excepções.”

E o resto do artigo 17 (antigo 13)? Quais são as grandes críticas?

É o artigo que mais gera polémica, por mudar a forma como as plataformas online funcionam, dando-lhes mais responsabilidade.

Actualmente, os serviços e plataformas online (como o YouTube, o Twitter, o Facebook, o Tumblr) não são responsáveis pelas enormes quantidades de conteúdo que os seus utilizadores publicam diariamente. Caso contrário, teriam de o rever antes de ser publicado. Com a nova directiva, “os fornecedores de serviços de partilha de conteúdo online serão responsáveis pelos actos de comunicação não autorizados ao público de conteúdo com direitos de autor.”

If no authorisation is granted, online content-sharing service providers shall be liable for unauthorised acts of communication to the public, including making available to the public, of copyright-protected works (...) [Artigo 17]

Mas os sites já fazem filtração de conteúdo? Porque é que não encontro muitos vídeos pirateados no YouTube?

Alguns, como o Facebook, e o YouTube, do Google, têm sistemas de filtração inteligentes para barrar vídeos com conteúdo impróprio (pornografia, incitação ao ódio e ao racismo, imagens violentas) ou pirateados de circularem.

Esses sites têm bases de dados com uma espécie de impressão digital de vídeos e músicas com direitos de autor ou conteúdo problemático, a que são comparados todos os novos vídeos colocados na plataforma. Só que se estes vídeos são alterados (por exemplo, ao mudar a velocidade das imagens) é mais difícil serem detectados pelos sistemas automáticos.

É este motivo que leva a presidente executiva do YouTube, Susan Wojcicki, a descrever as novas regras como um perigo. Embora o YouTube tenha acordos com várias entidades de direitos de autor para conseguir detectar conteúdo pirateado, alguns detentores de direitos não são conhecidos. Para Wojcicki, essa incerteza pode obrigar o YouTube a bloquear vídeos como prevenção.

E é por isso que o artigo 17 (antigo 13) ficou conhecido como a “máquina da censura”?

Não. Ficou conhecido por esse nome porque, na proposta original, propunha que os serviços online adoptassem “tecnologias efectivas de reconhecimento de conteúdos” para combater a pirataria. A expressão foi removida há meses. No entanto, em declarações recentes ao PÚBLICO, Julia Reda, eurodeputada do Partido Pirata Alemão, disse que “ninguém que esteja a trabalhar na directiva dos direitos de autor acredita que a proposta do artigo 13 funcione sem filtros”.  

Para Axel Voss, que foi o relator da proposta da directiva redigida pelo Parlamento Europeu, e que é um firme defensor do artigo, a directiva foi criada porque “todos temos obrigações legais a cumprir”. Numa entrevista recente  à Deutsche Welle, Voss diz que “plataformas massivas como o YouTube terão de utilizar uma solução técnica” e que “se a intenção de uma plataforma é dar acesso a conteúdo protegido por direitos de autor [sem autorização], é preciso pensar se esse tipo de negócio devia existir.”

Todos os sites e plataformas online têm de respeitar o artigo 17?

Não. Há uma excepção: a directiva isenta as plataformas mais pequenas que tenham, simultaneamente, uma facturação anual inferior a dez milhões de euros, até cinco milhões de visitantes mensais, e menos de três anos de presença no espaço digital europeu.

Ainda assim, quando essas plataformas recebem uma queixa de um detentor de direitos sobre conteúdo presente nas suas plataformas sem autorização, devem agir rapidamente para o remover ou impedir o acesso dos utilizadores a esse conteúdo. 

A directiva também nota que as excepções não se aplicam a serviços cujo maior objectivo é facilitar a pirataria de conteúdo com direitos de autor.

Finally, in order to ensure a high level of copyright protection, the liability exemption mechanism provided for in this Directive should not apply to service providers the main purpose of which is to engage in or to facilitate copyright piracy [Artigo 17]

E o resto da directiva?

O artigo 15 (antigo artigo 11) é outro que tem gerado controvérsia. Foi criado para remunerar organismos de comunicação social a operar online pelos excertos de notícias que são partilhados em agregadores de notícias como o Google News, e outras grandes plataformas como o Facebook.

Os críticos temem que a directiva dificulte a partilha de links. Na versão mais actual, a directiva diz, no entanto, que o artigo 15 “não se aplica a actos de hiperligação”, nem a “usos de palavras individuais ou excertos muito pequenos de publicações”. Ainda assim, os críticos temem a interpretação do artigo nas leis nacionais, visto que o tamanho dos “excertos muito pequenos” não é definido.

The protection granted under the first subparagraph shall not apply to acts of  hyperlinking [Artigo 15]

Se o artigo 13 é agora o artigo 17, o que diz afinal o artigo 13? E o 11?

Na versão mais recente da nova directiva dos direitos de autor, o artigo 13 define “mecanismos de negociação” para cumprir a directiva. Os Estados-membros devem garantir que as partes com dificuldades para licenciar conteúdo poderão recorrer a uma “entidade imparcial” com a missão de dar assistência nas negociações.

O novo artigo 11 diz que os Estados-membros devem falar com detentores de direitos e instituições como museus antes de tomar decisões sobre o uso de obras que já deixaram de ser comercializadas.

Quem é que ganha se a directiva não passar?

O Google, o Facebook e outras grandes empresas de Internet que têm criticado o artigo 17 (antigo 13) e 15 (antigo 11) desde o começo. Em 2018, por exemplo, o Google começou a enviar cartas aos criadores de canais populares no YouTube, alertando para as possíveis consequências da aprovação da directiva.

Depois, há muitos académicos, grupos defensores dos direitos dos utilizadores, e personalidades da história da Internet (por exemplo, o inventor da Web Tim Berners-Lee) que vêem a directiva a limitar os direitos dos internautas.

Em Fevereiro, a eurodeputada Marisa Matias, o historiador Rui Tavares, o popular youtuber Wuant, e alguns outros opositores do artigo 13 juntaram-se numa campanha contra a proposta de novas obrigações para as plataformas online.

O que acham os eurodeputados portugueses?

Nas últimas votações, a maioria dos eurodeputados portugueses envolvidos votou a favor.

Na mais recente, em Setembro, quando o texto era diferente do que vai agora a votos, estiveram a favor os eurodeputados portugueses António Marinho e Pinto, Ana Gomes, Carlos Coelho, José Inácio Faria, José Manuel Fernandes, Manuel dos Santos, Paulo Rangel, Fernando Ruas, Liliana Rodrigues, Maria João Rodrigues, Ricardo Serrão Santos, Nuno Melo, Pedro Silva Pereira e Carlos Zorrinho.

Contra estiveram João Ferreira, Marisa Matias, João Pimenta Lopes, Miguel Viegas, e Francisco Assis. Cláudia Monteiro de Aguiar e Sofia Ribeiro não participaram na votação.

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