Bruno Osório, entre videojogos e o boccia: “Não vejo a cadeira de rodas como um limite”

Aos 30 anos, Bruno Osório é responsável pelo VRock, um videojogo exclusivo para a PlayStation que será lançado ainda em 2019. O também praticante de boccia tem duas startups e um discurso empreendedor: “A paralisia cerebral, no meu caso, é apenas um pormenor.”

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INÊS FERNANDES

Chama-se VRock e é um videojogo que dá ao jogador a oportunidade de se tornar numa estrela de rock — concertos incluídos —, através de realidade virtual. “O VRock é um Guitar Hero ou um Rock Band em realidade virtual”, explica Bruno Osório, director executivo da empresa Adamastor Studio, responsável pelo desenvolvimento do jogo. “É um conceito fácil de explicar e isto é muito importante quando pensamos num produto” — e uma das chaves do sucesso do jogo, acrescenta. “Se nós não conseguimos explicar um produto numa frase, ou numa frase e meia, no máximo, já se foi o potencial comercial.”

A Adamastor Studio foi criada em 2015, focada em conteúdo digital e videojogos. Em 2018, a startup ganhou nova vida quando o VRock despertou o interesse de Bruno. “Soube que a pessoa que estava com o jogo não iria pegar nele por falta de condições. E eu decidi adquiri-lo e reactivar a Adamastor com esse propósito”, recorda, em entrevista ao P3. O videojogo venceu os prémios “Melhor Jogo de 2016” e “Jogo Mais Inovador” na segunda edição dos Prémios PlayStation Portugal, na altura ainda nas mãos do Game Studio 78. Agora, já nas mãos de Bruno, de 30 anos, e da sua equipa de 12 colaboradores, é um dos títulos mais esperados da PlayStation para 2019.

Ainda não há datas oficiais para o lançamento, mas o jovem portuense avança que VRock estará disponível ainda durante o primeiro semestre de 2019 e que o mesmo será exclusivo para consolas da Sony, fruto de um negócio com a PlayStation que resultou num investimento de 100 mil euros em campanha publicitária por parte da empresa japonesa. Bruno está “bastante confiante” quanto ao sucesso do jogo, tanto dentro como fora de Portugal. “Toda a gente, quando falo no jogo, percebe logo o que é e quer experimentar, independentemente da nacionalidade, por isso estamos muito confiantes.”

A Adamastor Studio é apenas uma das duas empresas que Bruno Osório detém. Mais focada em tecnologia, a FoxTech foi criada quando ainda frequentava a licenciatura em Engenharia de Computação no Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP). Apesar de só ter sido oficialmente fundada em 2016, a origem da startup remonta a 2014. Para participar num concurso promovido pela Microsoft, Bruno reuniu colegas para terem “ideias que mudassem o mundo”. A equipa formulou “um protótipo de um sistema electrónico que fosse acoplado a qualquer cadeira de rodas eléctrica”, uma espécie de “Google Car numa cadeira de rodas”, explica o empresário sobre o projecto conhecido como Quad Revolution. Não venceram o concurso, mas o feedback das pessoas e da imprensa acabou por compensar.

O trabalho na FoxTech levou-o a pôr em prática uma das lições mais importantes que aprendeu “desde muito cedo”: “É preciso ter foco, concentrar a 100% as nossas atenções numa coisa só, independentemente de termos outra empresa.” É por isso que, por agora, Bruno pôs de lado o trabalho na FoxTech para se focar na Adamastor Studio.

Actualmente a frequentar o mestrado em Engenharia Informática no ISEP, Bruno sente que o empreendedorismo “encaixa perfeitamente” na sua personalidade. “Sabendo que gosto de liderar e, hoje em dia, sou uma pessoa muito confiante, quero também que todo o meu trabalho seja visto como a criação de uma oportunidade num quadro que aparentemente era fatalista — mas não foi.” Com a sua história e o seu percurso profissional, Bruno espera conseguir inspirar outras pessoas.

“Se o Mourinho consegue, eu também consigo”

Nascido no Porto aos seis meses e meio de gestação, desde cedo que a paralisia cerebral o obrigou a movimentar-se com recurso a uma cadeira de rodas. Bruno não se deixou ficar para trás: “Eu não vejo a questão em limites, mas sim em oportunidades”, faz questão de sublinhar. “Não vejo a cadeira de rodas como um limite, vejo como um amuleto que me ajuda a abrir portas mais facilmente.” 

Durante a adolescência — “uma fase em que nos moldamos e criamos bases para nos tornarmos adultos” —, Bruno sentia-se inseguro, não acreditava que viria a terminar o curso. Em 2002, contudo, tudo mudou. Na apresentação como treinador do Futebol Clube do Porto, José Mourinho fez uma promessa que Bruno nunca esqueceria: “Tenho a certeza que no próximo ano vamos ser campeões nacionais.” A confiança nas palavras de Mourinho “aqueceu o coração” do portista. “No segundo a seguir, comecei a pensar: como é que este gajo chega aqui e, em condições muito adversas, promete uma coisa destas? As coisas podem correr mal.” As dúvidas de Bruno foram postas de lado e substituídas por um pensamento mais positivo: “Se ele consegue, então eu também consigo.”

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Bruno Osório com o seu maior ídolo, José Mourinho. DR

Apoiando-se no modelo do treinador, que aplicava a Filosofia e a Psicologia ao futebol, Bruno decidiu seguir o exemplo e aplicar o método na sua vida. “Foi a partir daí que tudo mudou. Achava que era feio, passei a ser o gajo mais bonito do mundo. E comecei a virar a perspectiva de ‘Eu não consigo’ para ‘Tenho a certeza que vou conseguir’.”

José Mourinho é, ainda hoje, um “personal trainer mental” para o portista — e um dos seus ídolos. Mas o treinador português não está sozinho no plantel de figuras que marcaram a vida de Bruno. Bill Gates e Steve Jobs, Bruce Lee e ainda Pedro Antunes, o “mentor” do jovem que investiu na Adamastor Studio, são exemplos que segue. Sem esquecer, claro, os pais, que sempre o apoiaram. “E sou o ídolo de mim mesmo”, admite, entre risos.

“O corpo é que manda, não é só a cabeça”

Foi durante a adolescência que Bruno decidiu adoptar uma veia desportiva, iniciando a prática do boccia aos 14 anos. “Também pratiquei natação, só que depois percebemos que o boccia era a modalidade onde me poderia destacar. Ganhei vários títulos nacionais e cheguei a estar ligado à selecção nacional durante uns bons anos”, recorda. O boccia foi vital, permitiu-lhe “testar o efeito Mourinho, ou seja, aquela autoconfiança que ele transmitiu e que ainda continua a transmitir”. 

Em 2011, o atleta de alto rendimento retirou-se da modalidade, mas em 2017 decidiu regressar aos treinos, dos quais está novamente afastado devido a uma “pequena lesão”. “Achava que podia treinar como um maluco. Mas o corpo é que manda, não é só a cabeça. E agora estou a recuperar para voltar a treinar ainda este mês ou em Abril, com o objectivo de atingir outra vez os níveis de excelência.” O atleta aponta agora os Jogos Paralímpicos de Tóquio, em 2020, como uma possibilidade.

“A paralisia cerebral, no meu caso, é apenas um pormenor”

“A área dos videojogos sempre foi uma área umbilical para mim. Desde sempre que jogo, a começar pela SEGA e depois passando por toda a família PlayStation. Foi com jogos que aceitei a minha deficiência: ‘Ok, não posso jogar futebol na realidade, mas posso jogar FIFA ou PES’.” Trabalhar no VRock foi, para Bruno, uma forma de “continuar essa relação” e retribuir aquilo que a indústria lhe deu: o primeiro jogo da saga Metal Gear Solid para a PlayStation — “o favorito” — fê-lo “pensar em toda a vertente da vida”.

“A paralisia cerebral, no meu caso, é apenas um pormenor. As pessoas andam pelo seu próprio pé e eu sou um gajo preguiçoso, preciso de uma cadeira de rodas para me deslocar”, diz, entre sorrisos. Utiliza o humor como um “quebra-gelo”, afastando comentários como “Ai, coitadinho” com a sua personalidade optimista. “Tudo depende de como olhamos para a vida.”

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INÊS FERNANDES

Conjugar tempo para as empresas com o desporto não é fácil, mas Bruno consegue organizar-se sem pôr de parte o tempo livre, que considera essencial. “Tenho tempo livre para ir ao futebol, sair com amigos, ir a qualquer lado. Tenho de ter tempo livre senão, na minha cabeça, os caracóis saem todos.” Este “tempo para introspecção”, admite, é vital para perceber o que fez mal e o que fez bem. “E tentar prever os problemas, porque eles vão aparecer, isso é óbvio.”

Mas não são só problemas — e soluções — que Bruno antecipa. “A minha projecção, a nível profissional, é continuar a fazer os meus negócios crescer e, depois, continuar a criar novas empresas em diferentes áreas de negócio. Daqui a cinco, dez anos, gostaria de já ter capacidade para investir noutras empresas e noutros negócios.” Terminar o mestrado no ISEP e dedicar tempo à política, que vê como uma área interessante, também está nos planos.

“Acho que tenho tudo planeado ou pensado em relação àquilo em que posso intervir. Quanto àquilo em que não posso intervir, vamos ver o que acontece. Mas olho para o futuro com grande optimismo e confiança”, remata. No futuro, apenas uma coisa é certa: “Sempre disse que quero ser um ícone do empreendedorismo português e mundial. E vou conseguir fazer isso.”

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