Salvador Malheiro: não serão já casos a mais?

Políticos assim até podem desempenhar uma função útil para certos candidatos, mas são radioactivos quando ganham dimensão nacional. Rui Rio que se cuide.

No início da semana, o Observador publicou mais uma da sua longa lista de notícias embaraçosas sobre o presidente da Câmara de Ovar, vice-presidente do PSD, homem forte do aparelho de Rui Rio e putativo ministro do Ambiente num Governo que dificilmente algum dia existirá – falo, claro está, de Salvador Malheiro.

O catálogo de denúncias é, de facto, imponente: “Como os caciques de Ovar angariaram votos para Rio” (14/1/2018); “Director de campanha de Rio promoveu obras de 2,2 milhões que beneficiaram dirigente do PSD” (24/1/2018); “Dinheiro desviado em Ovar – tema aquece reunião na câmara de Salvador Malheiro, vice de Rio” (29/6/2018), “Salvador Malheiro usa carro de luxo da câmara em viagens ao serviço do PSD” (8/2/2019); e a última, acabada de sair do forno: “Salvador Malheiro disse que foi ao Euro com a Olivedesportos, mas quem o convidou foi um construtor que trabalha com a Câmara de Ovar” (4/2/2019).

Há duas formas de olhar para isto. Uma é dizer que Salvador Malheiro está a ser perseguido pelo Observador (certamente a sua versão favorita); outra é dizer que ele dá demasiadas razões para ser motivo de notícia (certamente a minha versão favorita). Para sermos justos, nenhum dos casos em análise é estrondoso só por si, mas em conjunto eles compõem um ramalhete que define um carácter e um perfil, comummente conhecido como “cacique”.

Salvador Malheiro não tem nem a idade, nem o percurso, nem o currículo do cacique clássico — tem 46 anos, conquistou a Câmara de Ovar apenas em 2013, e é um engenheiro e ex-professor universitário com um doutoramento em energia tirado em França —, mas quando lemos as notícias acima referidas temos de concluir que está a aprender muito depressa: os relvados sintéticos encomendados à empresa de um figurão local do PSD; o carro de luxo da câmara utilizado para actividades extra-camarárias; os militantes deslocados em carrinhas e empilhados numa única morada; tudo isto é o bê-à-bá do caciquismo local e do nosso tão bem conhecido “homem do aparelho”.

A mais recente notícia é o pináculo da costumeira pirâmide de influências, com o aprofundar das inevitáveis relações entre política e futebol. Escreve o Observador: “Autarca de Ovar disse que tinha sido convidado pela Olivedesportos para ir ao Euro 2016. Mas documento confirma que foi mesmo a convite de construtor com quem a câmara fez 13 contratos de 3,9 milhões.” Salvador Malheiro e a sua mulher assistiram ao jogo Portugal-País de Gales, da meia-final do Euro 2016, que decorreu em França, o que não teria excessivo mal se o convite lhe tivesse sido feito directamente pela Olivedesportos. Pelos vistos, não foi.

O convite original terá sido endereçado ao empreiteiro Carlos Pinho, então presidente do Arouca (na altura na I Liga), que por sua vez o terá passado ao seu filho Joel, que por sua vez terá indicado o nome do presidente da Câmara de Ovar e da sua esposa. Primeiro problema: Carlos Pinho é também dono de uma empresa de construção civil com numerosas obras contratadas à Câmara de Ovar em ajuste directo ou em concurso público. Segundo problema: não se sabe quem pagou a viagem.

Salvador Malheiro, como seria de esperar, nada esclarece, até porque não se lembra – três anos é muitíssimo tempo. Mas ainda que padeça de amnésia, deveria compreender isto: políticos com o seu perfil até podem desempenhar uma função útil para certos candidatos, mas são radioactivos quando ganham dimensão nacional. Rui Rio que se cuide.

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