Sanções da UE não conseguiram devolver aos países o que os ditadores roubaram

Avaliação da experiência da UE após as revoluções da Tunísia, Egipto e Ucrânia demonstra que as sanções tiveram impacto reduzido em termos de recuperação e devolução aos países dos recursos públicos roubados pelos ditadores.

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A sublevação de 2011 na Tunísia que depôs Ben Ali Zohra Bensemra/Reuters

As sanções aplicadas pela União Europeia na sequência das revoluções populares que determinaram o fim dos governos de Zine El Abidine Ben Ali, na Tunísia, de Hosni Mubarak, no Egipto e de Viktor Ianukovich, na Ucrânia, tiveram um “sucesso limitado” em termos da recuperação da riqueza nacional que foi apropriada, de forma indevida, durante a vigência daqueles regimes classificados como cleptocratas.

Essa é uma das constatações de um relatório produzido pelo CIFAR - Civil Forum for Asset Recovery para avaliar o impacto do recurso excepcional às sanções como um instrumento no combate à chamada “grande corrupção”, que tem a ver com o desvio e roubo de fundos públicos e a apropriação indevida de recursos do Estado. 

Intitulado “Castigar cleptocratas: uma avaliação das sanções da UE na recuperação ”, o relatório —divulgado esta quarta-feira, em Bruxelas, numa sessão promovida pela Transparência Internacional —, aborda os únicos três casos em que a União Europeia activou medidas como o congelamento de contas bancárias e a confiscação de bens não para aplicar pressão política sobre um regime, mas com o objectivo de recuperar activos públicos. 

Para não repetir

A conclusão é que o recurso ao congelamento de bens como forma de promover a sua recuperação e devolução ao erário público “se revelou insatisfatório ao nível da UE” e por isso a experiência “provavelmente não será repetida no futuro”.

“Apesar de esforços recentes, a UE ainda tem um registo pobre em termos de recuperação de activos ilegais detidos no seu território. As sanções não são suficientes; é preciso que se traduzam numa efectiva confiscação de bens roubados para que possam ser devolvidos aos Estados a que pertencem. Só assim a UE conseguirá fechar a porta ao dinheiro ilícito e aos corruptos”, defendeu Laure Brillaud, da Transparência Internacional.

Uma das razões apontadas no relatório para a falta de eficácia do sistema de sanções tem a ver com a concepção original desse regime, desenhado no quadro da política externa e “sem nenhuma dimensão anti-corrupção”. As sanções são geralmente aplicadas para forçar a mudança de comportamento de um indivíduo, através da limitação da sua capacidade para prosseguir as políticas que são contestadas pela autoridade sancionatória, recorda a autora do relatório, Clara Portela.

Ora, no rescaldo das revoluções da Tunísia e Egipto (2011) e Ucrânia (2014), elas foram aplicadas para impedir que as lideranças depostas e as cliques corruptas em torno do poder pudessem esconder ou transferir os bens que acumularam de forma indevida, e devolvê-los aos cofres públicos. “Os líderes foram depostos de forma abrupta mas continuaram a ter acesso a esses fundos. A urgência da situação tornava imperativo congelar os bens imediatamente, para que depois as autoridades nacionais pudessem levar a cabo os processos internacionais para a sua recuperação”, lê-se no relatório.

Tunísia e Egipto

No caso da Tunísia, as sanções foram impostas sobre “todos os fundos e recursos económicos que estejam na posse ou sob o controlo de pessoas responsáveis pela desapropriação de fundos estatais, bem como de pessoas ou entidades a elas associadas”. Na lista, constavam 48 indivíduos (13 dos quais, com o mesmo apelido: Ben Ali) que logo em 2013 viram parte do seu património distribuído pela França, Bélgica e Itália ser confiscado e restituído à Tunísia: cerca de 80 milhões de dólares, dois aviões e dois iates. Mas, como nota o relatório, “o valor destes activos representa apenas uma pequena parcela do que se estima foi roubado à Tunísia” pelo antigo ditador, a sua família e a sua entourage.

A “lista negra” de indivíduos sancionados no Egipto foi menor, com 28 nomes — mais de metade dos quais contestou a situação em tribunal. Em 2012, a Espanha congelou 28 milhões de euros em dinheiro e investimentos financeiros, e confiscou várias propriedades (duas casas em Madrid e sete no Sul de Espanha) e cinco carros de luxo ao empresário Hussein Salem, com dupla nacionalidade egípcia e espanhola.

O Reino Unido também congelou activos egípcios com um valor estimado de mais de 90 milhões de libras. No entanto, 18 meses após a instauração das sanções, as autoridades britânicas nada tinjam feito para congelar os bens do círculo mais próximo de Hosni Mubarak, que incluíam vários imóveis de luxo e empresas em seu nome.

Depois da revolução da praça Maidan que culminou com a deposição e fuga de Viktor Ianukovich da Ucrânia, a UE alargou os critérios para a imposição de sanções, que passaram a incluir também uma referência aos direitos humanos: além dos indivíduos que se apropriaram indevidamente de recursos públicos, passaram a ser alvo de sanção também “as pessoas responsáveis por violações dos direito humanos na Ucrânia”.

Um total de 22 nomes, entre os quais o do Presidente deposto, foram incluídos na lista a pedido do Procurador-geral da Ucrânia. Desses, 16 interpuseram recurso — “vários ganharam os seus processos e tiveram a sua designação anulada”, nota o relatório. Segundo o CIFAR, “até agora o congelamento de bens não teve qualquer sucesso na facilitação da recuperação de bens”, nem na condenação de nenhum dos políticos ou empresários implicados.

A Comissão Europeia não está autorizada a divulgar os montantes de bens congelados aos indivíduos sancionados, mas de acordo com as autoridades ucranianas, o total rondará os 107,2 milhões de dólares, 15,9 milhões de euros e 135 milhões de francos suíços, distribuídos pela Áustria, Reino Unido, Lituânia, Chipre, Itália, Liechtenstein, Holanda e Suíça.

Na opinião do CIFAR, apesar de a experiência ter tido um sucesso limitado na recuperação de bens, as sanções cumpriram o seu objectivo político. “A nossa pesquisa mostra que apesar de a aplicação das sanções a indivíduos da Tunísia, Egipto e Ucrânia ter sido inconsistente e opaca, elas tiveram resultados positivos em termos de demonstração de apoio político às novas lideranças” e regimes resultantes das revoluções, notou o director do CIFAR, Agatino Camarda.

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