Multilateralismo em ação: Alemanha e França partilham a presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas

Pela primeira vez na história do Conselho de Segurança, haverá dois países a interligarem as suas presidências.

Hoje vemos que alguns atores centrais nas relações internacionais voltam a recorrer à lei do mais forte, afastando-se do sistema multilateral. Esta evolução implica desafios diários tanto para a Alemanha e a França como para os nossos amigos e aliados europeus, nomeadamente Portugal.

Estes desafios foram claramente expostos na tribuna de Jean-Yves Le Drian e Heiko Maas, respectivamente ministros francês e alemão dos Negócios Estrangeiros, publicada no Süddeutsche Zeitung – por ocasião da abertura da Conferência de Munique sobre a segurança, no passado dia 15 de fevereiro.

“A ideia de que um sistema internacional fundado em regras é o melhor garante da nossa segurança e da nossa prosperidade não é evidente para todos. A confiança e a força vinculativa dos compromissos que caracterizam a cooperação internacional, a procura de soluções comuns, a força e a capacidade de ação das instituições – todos estes valores e princípios se degradam”, sublinharam os dois ministros.

A fim de contrariar esta tendência, os Estados que partilham as mesmas visões devem empreender ações comuns e reforçar o seu compromisso em prol do multilateralismo. A França e a Alemanha entendem ser pioneiras nesta matéria.

É por isso que, em conjunto, queremos dar o exemplo: o Tratado de Aachen/Aix-la-Chapelle, que a chanceler federal Angela Merkel e o Presidente Emmanuel Macron recentemente assinaram, volta a unir ambos os países com um firme compromisso em prol de uma ordem mundial assente em regras e no multilateralismo. No centro desta ordem está o Conselho de Segurança das Nações Unidas. A França é membro permanente e a Alemanha iniciou, em janeiro deste ano, um mandato de dois anos: a França assume a presidência em março e a Alemanha em abril. Pela primeira vez na história do Conselho de Segurança, haverá dois países a interligarem as suas presidências, regendo-se por um tema transversal, designadamente o reforço da dimensão humanitária nas intervenções internacionais. Queremos dar mais ênfase ao direito internacional humanitário e aos princípios humanitários, bem como facilitar o acesso do pessoal humanitário às zonas de crise, melhorando as suas condições de segurança. É igualmente necessário proteger melhor a população civil em caso de conflitos armados.

Não faltam crises e conflitos na agenda do Conselho de Segurança: a Síria, o Iémen, a Ucrânia, o Mali – e, mais amplamente, o Sahel –, o Sudão, o Congo e a República Centro Africana: a lista é extensa e ainda surgirão novas crises. Para a França e a Alemanha, a prevenção e a estabilização das crises são o móbil de todos os nossos esforços. Se conseguirmos contribuir para conter crises e talvez mesmo evitar conflitos, isso também aumentará a confiança nas próprias Nações Unidas.

Nesse sentido, é também necessário que o Conselho de Segurança se adapte, finalmente, à realidade do século XXI. Por isso, os nossos dois países estão empenhados na reforma do Conselho de Segurança. A aceitação da Alemanha como membro permanente deste órgão foi mesmo estabelecida como uma prioridade da diplomacia franco-alemã no Tratado de Aachen/Aix-la-Chapelle. Estamos convencidos de que esta reforma aumentaria a eficácia e a legitimidade das Nações Unidas, mantendo, assim, a sua relevância a médio prazo.

Para nós, o multilateralismo (ou seja, uma política externa de diferentes Estados fundada na cooperação) significa um investimento contínuo e a longo prazo para reduzir os desequilíbrios, a instabilidade e a incerteza mundiais. Neste contexto, queremos criar uma "Aliança de multilateralistas", uma aliança que não se dirige contra ninguém, mas que luta por soluções conjuntas para os problemas globais, quer sejam as alterações climáticas, a crise dos refugiados ou as desigualdades económicas mundiais.

Além disso, se o multilateralismo estiver em perigo, isso só pode significar uma coisa para nós, Europeus: temos de assumir mais responsabilidade e, em particular, também pela nossa segurança. Temos, igualmente, de nos afirmar como potência económica global, defensora de uma globalização justa e mais equitativa. Por exemplo, o novo acordo de comércio livre com o Japão dá um sinal forte contra o protecionismo e contra o novo “mercantilismo”, assente nas relações de força bilaterais. Estabelecer diálogos, alcançar consensos: é o que faz parte do ADN da UE, tanto a nível interno como externo e que queremos defender.

É por isso que a Alemanha e a França querem dar à sua presença no Conselho de Segurança um cunho europeu: atualmente, um terço do Conselho de Segurança é constituído por membros da UE. Devemos aproveitar este "momento europeu". Também terá de se prosseguir com uma maior afirmação da União Europeia no palco internacional, em Nova Iorque – no local onde se colocam as grandes questões da guerra e da paz!

A nossa capacidade de exercer influência sobre crises depende, em grande medida, da unidade da UE. Assim, também fora do Conselho de Segurança, a Alemanha e a França irão cooperar, de uma forma mais estreita do que nunca, em todos os organismos da ONU, sintonizando as suas posições com as posições e os interesses dos nossos parceiros da UE, a começar por Portugal. Ao envidar todos os esforços para estabelecer ações coerentes dos Estados membros da UE nos organismos competentes das Nações Unidas, os nossos dois países estão a contribuir para uma Europa soberana, que funciona como um pilar – talvez o mais estável e previsível – da ordem multilateral.

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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