Juízes voltam a afirmar que testemunho de mulher “autónoma” não é credível

Depois da Relação de Coimbra ter pedido para que juízes fundamentassem decisão, Tribunal de Viseu absolve, pela segunda vez, homem acusado de violência doméstica.

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O Tribunal de Viseu confirmou esta sexta-feira a absolvição de um homem acusado de violência doméstica, mantendo a fundamentação de que o testemunho da mulher padece de incongruências e adaptações do discurso da alegada vítima produzidas nas audiências de julgamento que não permitiram dissipar dúvidas. Em causa está o polémico acórdão que ditou que não é crível que uma mulher moderna e “autónoma” e “não submissa” se sujeite a uma relação violenta.

O primeiro acórdão lido pelo colectivo de juízes não tinha dado credibilidade ao testemunho da mulher e a Relação de Coimbra ordenou que a decisão fosse fundamentada. Esta sexta-feira, o juiz-presidente voltou a ler a sentença que absolveu o homem acusado pelo Ministério Público.

“As declarações da assistente produzidas em audiência de julgamento não foram corroboradas por outros meios de prova credíveis e isentos nem demonstraram credibilidade suficiente, não permitindo por si só sustentar a prova da tese das agressões”, voltou a afirmar o juiz Carlos Oliveira. Disse que as declarações da assistente continham “algumas incongruências intrínsecas”, não sendo “isentas”, tais como as declarações de outras testemunhas.

“Na verdade, a assistente não conseguiu explicar porque esteve tantos anos sem contar a quem quer que seja a verificação de qualquer episódio de agressão e violência doméstica. Nem há provas efectivas como um relatório médico ou uma simples fotografia de uma lesão ou equimose”, referiu, acrescentando que “a mera justificação de que tinha a esperança de que ele mudasse ou que tinha medo e vergonha não colhem minimamente”.

“A assistente provou em audiência de julgamento ser uma pessoa consciente dos seus direitos, com autonomia de pensamento, empregada e não dependente do marido. O seu carácter forte e seguro foi mesmo confirmado por várias testemunhas. Por isso, cremos que dificilmente a assistente aceitaria tantos actos de abuso pelo arguido, e durante tanto tempo, sem os denunciar e tentar erradicar, se necessário dele se afastando”, lê-se neste acórdão e no anterior proferido em finais de 2017.

Juiz realça "postura de imparcialidade"

O juiz Carlos Oliveira fundamentou a decisão, afirmando que é exigido a um juiz uma “postura de imparcialidade”, dando às respectivas declarações o mesmo valor de princípio quando não há mais provas que corroborem os factos. “Por isso não poderá conceder-se maior valor ou relevo às declarações das alegadas vítimas em detrimento das declarações do arguido, sendo certo que este beneficia da presunção da inocência”, afirmou.

Com isto, disse ainda, “não se afirma que o crime de violência” não tenha sido cometido, apenas “não se provou para além da dúvida razoável”.

O advogado da vítima, João Savivas, anunciou que vai recorrer da decisão “até às últimas instâncias” porque “não se fez justiça”. “O nosso recurso não é só pelo sofrimento desta mulher, é pela memória das onze [dez mulheres e uma criança] que já morreram, até que haja a coragem de se lutar efectivamente pelo estatuto de vítima da mulher violentada. E também para que o Conselho Superior da Magistratura superintenda na forma como os senhores magistrados tratam as mulheres. É fundamental que haja formação nos juízes de primeira instância para os crimes de violência doméstica”, declarou o advogado.

O acórdão da primeira instância, de 3 de Outubro de 2017, e agora este, absolveu o arguido de dois crimes de violência doméstica, um crime de perturbação da vida privada, um crime de injúrias.

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