Governo quer blocos a operar mais doentes e recupera estudo de 2015

O objectivo é conseguir tratar, “no mesmo tempo e instalações disponíveis, um muito maior número de doentes", refere o despacho de nomeação de um grupo de peritos para estudar a forma de rentabilizar os blocos operatórios.

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Paulo Pimenta

Um exaustivo levantamento com quase 300 páginas sobre os blocos operatórios dos hospitais públicos concluído em 2015 e deixado na gaveta vai ser agora recuperado por um grupo de trabalho nomeado pelo Ministério da Saúde, que está empenhado em pôr os serviços a operar mais doentes e em reduzir o tempo de espera para cirurgias.

Numa altura em que a greve “cirúrgica” dos enfermeiros permitiu perceber que continua a haver blocos operatórios a funcionar só de manhã e depois de em 2018 o número de cirurgias ter diminuído ligeiramente, a tutela encarregou um grupo de especialistas de apresentar uma proposta de “modelo para regulamentação do funcionamento dos blocos operatórios”. O objectivo é tratar “no mesmo tempo e instalações disponíveis, um muito maior número de doentes”, lê-se no despacho de nomeação assinado pela secretária de Estado da Saúde, Raquel Duarte, e que foi publicado esta quarta-feira em Diário da República.

Invocando o levantamento feito em 2015, Raquel Duarte defende que “não pode ser desperdiçado”. O coordenador do grupo de trabalho agora nomeado, o cirurgião Pedro Correia da Silva, atesta que este documento vai servir de base para a sua tarefa, até porque tem apenas quatro meses para apresentar resultados. “É um trabalho com informação preciosa, vamos lá buscar imensos dados”, afiança. Mas não estão obsoletos? “Haverá uma coisa ou outra que terá que ser actualizada, mas a situação não mudou assim tanto”, sustenta.

Actualmente, tal como acontecia em 2015, “há blocos onde só se opera de manhã, há outros que funcionam durante 12 horas consecutivas, há realidades completamente diferentes, mas existem metodologias de trabalho que deram resultados, temos bons exemplos que podem ser replicados”, explica o cirurgião, que está convencido de que, com os mesmos meios, será possível conseguir "mais rentabilidade".

Intitulado Avaliação da situação nacional dos blocos operatórios e feito a pedido dos responsáveis do Ministério da Saúde de então, o extenso relatório de 2015 traçava o retrato destes serviços que são dos mais dispendiosos dos hospitais. A comissão liderada pelo cirurgião Jorge Penedo concluía que que a capacidade instalada não estava a ser devidamente aproveitada e que havia muitas assimetrias a nível nacional, por exemplo no custo médio de hora das salas operatórias e na média de tempo de espera.

Se os blocos operatórios fossem utilizados a 100%, estimavam os peritos, seria possível fazer mais cerca de 108 mil cirurgias por ano. Mas também enfatizavam que, para que todo este potencial fosse aproveitado, seria preciso que se alocassem mais recursos humanos, nomeadamente anestesiologistas.

Actualmente, "há uma série de indícios, alguns deles levantados pelo trabalho do doutor Jorge Penedo, que fazem pensar que, mesmo sem um grande aumento do investimento, [os blocos] poderiam render mais”, corrobora Pedro Correia da Silva.

Frisando que o estudo é de 2015 mas reporta dados de anos anteriores, Jorge Penedo pergunta: “Por que é que resolveram fazer isto agora, quando durante quatro anos ninguém pegou no trabalho?”. Ao PÚBLICO, o médico lembra que, além deste levantamento, coordenou outros estudos, como o que serviu para delinear a carta de equipamentos médicos pesados do SNS e outro sobre os cuidados intensivos dos hospitais, que são das áreas mais críticas do sector. Foram, acentua, “trabalhos técnicos, não políticos” que ficaram desaproveitados - o Governo mudou, entretanto.

Para o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Alexandre Lourenço, o que isto prova é que a tarefa dos grupos de trabalho “não se pode esgotar em relatórios, mas tem que evoluir para planos de implementação”, com acompanhamento pelas estruturas do Ministério da Saúde, que devem "apoiar os hospitais".

“Os blocos operatórios podem de facto ser rentabilizados, mas grande parte do problema passa pela falta de anestesiologistas”, frisa Alexandre Lourenço, que esta quarta-feira pediu a rectificação do despacho de nomeação, porque no grupo de trabalho não constavam administradores hospitalares, talvez por "lapso".

Mais 282 milhões para diminuir dívidas

Esta quarta-feira, o Governo anunciou também que aprovou um reforço de 282 milhões de euros para reduzir as dívidas dos hospitais públicos. A verba destina-se "ao pagamento de dívidas em atraso a mais de 90 dias de 21 hospitais EPE [Entidade Pública Empresarial]", explicou o Ministério da Saúde, em comunicado. 

"Fazem-se injecções de capital de forma recorrente. Na prática, isto não serve para resolver o problema, vem apenas ‘limpar’ o passado", critica o presidente da APAH.

Com este tipo de estratégia, afirma Alexandre Lourenço, "estamos a pagar bens e serviços mais caros do que devíamos" e a "beneficiar as instituições com o maior volume de dívidas". No fundo, sustenta, beneficiam-se "os infractores", os quais também "não têm instrumentos para melhorar a sua eficiência" na gestão dos recursos humanos e na compra de bens e serviços, porque há "uma restrição de tesouraria", uma espécie de "cativação encapotada".

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