Não é um sonho, é o bestiário de Rosa Ramalho na passerelle de Alexandra Moura

Pela primeira vez, a criadora portuguesa integrou o calendário oficial da semana de moda de Milão.

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Alexandra Moura no final Ugo Camera

O bestiário da ceramista portuguesa Rosa Ramalho é uma amálgama de criaturas de todo o tipo. Nele cabem diabos e bruxas, mulheres com corpo de animais, porcos com cornos e muito mais. Alexandra Moura adaptou-o ao seu vestuário. A criadora portuguesa foi seleccionada para integrar o calendário oficial da semana de moda de Milão e apresentou a sua colecção na segunda-feira, pelas 10h30 (hora local), no Palazzo Giureconsulti, a poucos metros da Catedral de Milão.

É uma conquista rara para uma criadora portuguesa. Actualmente, apenas a dupla Marques'Almeida faz parte do calendário oficial de uma das quatro principais semanas de moda — neste caso Paris. O Portugal Fashion tem levado outros criadores a apresentar nessas cidades, em eventos paralelos. 

Carlo Capasa, presidente da Camera Nazionale della Moda Italiana, elogia o trabalho que Alexandra Moura tem vindo a desenvolver. “Tem um bom ponto de vista e representa, na sua própria maneira, uma nova geração”, conta ao PÚBLICO, no final do desfile. “Temos uma boa relação com Portugal e com designers portugueses, mas, no final, escolhemos [criadores para integrar o calendário] com base no talento”, acrescenta.

É uma relação para continuar, pelo menos num futuro próximo: “Normalmente quando escolhemos um designer, damos-lhe pelo menos três temporadas para se expressar. E depois julgamos o trabalho feito durante essas temporadas.”

Alexandra Moura tinha a colecção pronta para apresentar em Londres — como tem vindo a fazer nos últimos anos —, mas poucos dias antes da data do desfile recebeu a proposta inesperada que lhe trocou as voltas e a encaminhou para Milão. “A própria semana de moda está a identificar-se com o que é mais conceptual. Acho que isso foi o ponto forte da nossa marca, porque é uma das nossas características”, comentou então ao PÚBLICO. “Há toda uma estrutura já por trás que ajuda a que tudo flua e que tudo aconteça. Tem a ver com organização das coisas”, acrescenta.

Depois do anúncio de que faria parte do calendário oficial de Milão: “foi uma chuva de emails, de contactos, pessoas a quererem conhecer a marca, a quererem vir ao desfile, a saberem se íamos estar em showroom”, conta a criadora.

De mostrengos nascem as roupas

Já é costume Alexandra Moura viajar no tempo e no espaço em busca de inspiração. “A minha vida, quando não estou a trabalhar, é a pesquisar”, conta. “Sou uma apaixona por tudo o que é o lado cultural do nosso país e de outros países. E quis encontrar algo que fosse muito nosso e um bocadinho ancestral.”

As criaturas de Rosa Ramalho, que são metade uma coisa e metade outra, revelam-se nos contrastes já tão são característicos da marca Alexandra Moura: nos choques de estampados e na oposição entre passado e futuro. Mais evidentemente, aparecem expressas em peças que juntam duas metades de diferentes nações, como o fato de bombazine azul e xadrez.

Ao mesmo tempo, a colecção faz a ponte entre os dois mundos de Alexandra Moura — o lado romântico e rural e a vertente mais urbana e futurista. “Os materiais foram pensados para esta dualidade”, explica. Os xadrezes e os jacquards, por exemplo, remetem-nos para o lado ancestral, enquanto o jersey metalizado pintado por cima e os tules estampados representam o lado mais futurista.

“O contraste entre a arte visionária [de Rosa Ramalho] e a sua vida simples de campo é um elemento-chave para o desenvolvimento da colecção”, resume a criadora, em comunicado.

A designer encontrou ainda algumas formas mais literais de transmitir as mensagens de Rosa Ramalho. Estampou algumas das criaturas do imaginário da ceramista nas camisolas e imprimiu frases ditas pela mesma noutras peças. “Não é sonho nenhum”, chegou a artista afirmar, em referência às suas criaturas, explica Alexandra Moura. “Eles existem nas montanhas”, dizia também. Os próprios costumes de Rosa Ramalho tiveram lugar na passerelle — nos lenços à volta da cabeça que esta usava e nos casacos com folhos amarelos, por exemplo. 

Um dia antes de Alexandra Moura, Katty Xiomara apresentou também em Milão a sua colecção desenvolvida em colaboração com a Hello Kitty. 

Uma artista tarde na vida

Rosa Ramalho nasceu em 1888 e morreu em 1977, aos 89 anos. Apesar do impacto que teve na olaria tradicional portuguesa — em particular na de Barcelos —, passou relativamente poucos anos dedicada ao seu ofício. Começou ainda na infância a mexer com barro, mas depois de casar, aos 18 anos, abandonou a olaria, para cuidar da família. Foi só após a morte do marido, quando já tinha 68 anos, que voltou a dedicar-se à sua arte.

Durante a década de 1950, António Quadros descobriu-a e deu-a a conhecer ao resto do país. No ano passado, a sua obra foi o foco do documentário Sentido Figurado, realizado por Marco Oliveira e produzido por Alberto Serra. “A Rosa Ramalho é de facto o ícone, mas há depois toda uma envolvência que tem a ver com a olaria, a tradição e com as outras famílias que se dedicaram ao figurado [de Barcelos]”, explicou Alberto Serra ao PÚBLICO.

Era uma personagem muito interessante. Era uma mulher do campo, igual a todas as outras, com uns olhos que não enganavam ninguém, e que eram absolutamente excepcionais de finura, de inteligência, de esperteza", contou em 2008 ao PÚBLICO Alexandre Alves Costa, que foi comissário da exposição de peças de Rosa Ramalho no Museu de Olaria de Barcelos. Para o arquitecto, esta era “uma artista surrealista” e os seus bonecos a expressão da tradição do figurado de Barcelos, “que é a mais rica do nosso país”.

O PÚBLICO viajou a convite do Portugal Fashion

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