Eduardo Viveiros de Castro acredita que os indígenas vão sobreviver a Bolsonaro

Antropólogo brasileiro deu conferência em Guimarães, onde até 9 de Junho poderá ser vista uma exposição de fotografias suas sobre quatro populações ameríndias. "A minha aposta é que vamos ser nós a desaparecer primeiro. Os índios sabem fazer muito com pouco. Nós sabemos pouco com muito”.

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Eduardo Viveiros de Castro no Centro Internacional de Artes José de Guimarães Nelson Garrido

Autor de um extenso trabalho de campo pioneiro que colocou as as populações indígenas do Brasil no centro dos seus estudos antropológicos, Eduardo Viveiros de Castro reconhece que a eleição de Jair Bolsonaro trouxe riscos para os direitos dos índios, mas lembrou que a invasão do “homem branco” é um problema com o qual eles lidam há cinco séculos.

O pensador, que esteve este sábado na Sociedade Martins Sarmento, em Guimarães, pouco antes de inaugurar a exposição Variações do Corpo Selvagem​, admite que as políticas de salvaguarda das populações indígenas e das múltiplas culturas que lhes estão associadas – o censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística revelou que mais de 800 mil pessoas se declaravam indígenas, num universo com 305 etnias e 274 línguas ou dialectos – podem estar perto de seguir uma outra rota, diferente da percorrida nos últimos 30 anos. Depois de a Constituição de 1988 ter assegurado aos indígenas a manutenção da “organização social, costumes, línguas, crenças e tradições” e dos “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, tais garantias podem estar em risco, sobretudo no que respeita às terras.

Uma das medidas, ainda que provisória, do governo do recém-eleito Presidente Jair Bolsonaro foi a passagem da tutela das terras indígenas da Fundação Nacional do Índio para o Ministério da Agricultura, manobra que se enquadra na defesa dos interesses dos proprietários rurais, prometida durante a campanha. Eduardo Viveiros de Castro, um dos investigadores que, desde os anos 70, mais a fundo vem estudando e conhecendo as populações indígenas do Brasil, teme que este seja o início de um processo para “desmontar o mecanismo de defesa das populações tradicionais”.

“Este novo governo está ao serviço do grande capital financeiro e extractivista, que quer privatizar as terras, e do lóbi evangélico fundamentalista, para dominar a sua espiritualidade e romper os seus laços com a terra”, sublinhou em Guimarães o antropólogo brasileiro, figura de proa do perspectivismo ameríndio, corrente antropológica que constrói as suas teorias segundo o ponto de vista dos indígenas.

O pensador, que inaugurou uma exposição de fotografia sobre quatro populações indígenas em exibição no Centro Internacional de Artes José de Guimarães até 9 de Junho​incluída num ciclo expositivo dedicado ao pensamento ameríndio, discorreu sobre os riscos colocados pelo governo de Bolsonaro, mas também sobre a vontade de muitos, e há muitos anos, de preservarem a sua herança indígena, mesmo no Nordeste, território que contactou com os portugueses logo no século XVI. “É a reemergência de muitas ilhas, quando o oceano da invasão branca parecia ter engolfado tudo. Estão a mostrar que a transformação total de indígenas em brancos é impossível”, descreveu.

Face a tal afirmação da consciência indígena, Viveiros de Castro realçou que, mesmo estando “na primeira fila para sofrer” às mãos do actual governo brasileiro, estas comunidades vão ser capazes de ultrapassar Bolsonaro. Algumas, lembrou o antropólogo, foram capazes de sobreviver a séculos de contacto com o “homem branco” e com a trilogia que rege as sociedades modernas ocidentais – Estado nacional, capitalismo e cristianismo –, e ainda ao esforço das elites brasileiras para remover os traços indígenas e negros das gerações futuras, através da mestiçagem.

Quem desaparecerá primeiro?

O cepticismo apoderou-se do pensador quando abordou a possibilidade de uma eventual harmonia futura entre homem e natureza no Brasil. Para Viveiros de Castro, é impossível conciliar a visão indígena da relação com a natureza, um elemento fundador da sua cultura, e a visão da sociedade capitalista e moderna, que frequentemente vê o mundo natural como uma panóplia de recursos de onde se pode extrair algo ou onde se pode implantar algo. Essa contradição, sublinhou, vai ditar uma tensão permanente até que uma forma de estar desapareça naquele território. “A minha aposta é que vamos ser nós a desaparecer primeiro. Os índios sabem fazer muito com pouco. Nós sabemos pouco com muito.”

O antropólogo encaixou esta visão sobre o futuro no problema das alterações climáticas. Nesse contexto, criticou de novo os interesses económicos que asseguram a presença de uma corrente negacionista na discussão do fenómeno e salientou a necessidade de os cidadãos se organizarem para combater o problema, denotando também alguma desconfiança face ao comportamento dos Estados centrais.

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