A coragem de Khadija Ismayilova

Só a pressão internacional pode evitar que uma jornalista apareça sem vida em Baku perante a aparente indiferença das autoridades.

Ser jornalista no Azerbaijão não é nada fácil. Quem o pode contar sem sombras de dúvidas é a jornalista Khadija Ismayilova, nascida em 1976 e que, sobretudo a partir de 2008, se tem dedicado a investigar e a noticiar os casos de corrupção no Azerbaijão, nomeadamente a fantástica riqueza do Presidente Ilham Aliyev, da sua mulher Mehriban Aliyeva, das suas filhas Leyla e Arzu e do filho Heydar. Para se ter uma ideia da cleptocracia/nepotismo de que estamos a falar e que Khadija foi desmascarando publicamente, basta referir que o filho do Presidente, em 2010, com 13 anos de idade, já era proprietário de imobiliário nos Emiratos Árabes Unidos no valor de 44 milhões de dólares e a filha Arzu, com 21 anos de idade, era proprietária de um banco e de todos os serviços respeitantes às Azerbaijan Airlines, tais como os táxis do aeroporto, as lojas duty-free e o catering nos aviões. Khadija também revelou que as irmãs Leyla e Arzu tinham diversas offshores e eram proprietárias de uma das operadoras de telemóveis no Azerbaijão e, ainda, que a mulher e as filhas do Presidente eram as reais proprietárias de um consórcio de três empresas panamianas que exploram a extracção de ouro e prata, no valor de 2,5 mil milhões de dólares, das minas de Chovdar. Em finais do ano passado, por exemplo, as duas irmãs, por serem pessoas politicamente expostas e haver um significativo risco de se estar perante lavagem de dinheiro, foram impedidas pelas autoridades inglesas de comprar dois apartamentos em Knightsbridge, Londres, pelo preço de 60 milhões de libras, utilizando uma empresa offshore.

O Presidente Ilham Aliyev nunca respondeu directamente às acusações de Khadija mas o Parlamento do Azerbaijão, em 2012, publicou uma lei determinando que a propriedade das empresas passava a ser confidencial, só podendo ser divulgada ou por ordem dos tribunais, ou de um organismo financeiro do Estado ou por vontade própria dos proprietários!

Khadija tem pago bem caro a sua luta cívica: em Março de 2012, recebeu uma carta, insultando-a e ameaçando-a de ser humilhada publicamente se não cessasse com as notícias contra o Azerbaijão, com imagens suas a ter relações sexuais com o namorado dentro do seu apartamento. Khadija não se ficou, participou criminalmente contra os desconhecidos que lhe tinham enviado a carta. No dia seguinte, um vídeo com essas imagens foi publicado na Internet num site com o nome do partido da oposição!

A partir daí, a luta de Khadija para que o processo avançasse é épica e a resistência e a perversão da actuação das autoridades do Azerbaijão é repugnante. Foram descobertos, instalados pela empresa estatal de comunicações no apartamento de Khadija, cabos e câmaras com ligações ao exterior mas foram ignorados no processo, como foi ignorado o depoimento do engenheiro que os tinha ido colocar por ordem dos seus superiores. A queixa que Khadija apresentou pela lentidão no andamento do processo foi rejeitada nos tribunais criminais por ser da competência dos tribunais administrativos e foi rejeitada nos tribunais administrativos por ser da competência dos tribunais criminais. Ao mesmo tempo, os jornais governamentais publicaram artigos atacando-a pela sua imoralidade e pelos seus preconceitos contra o governo e o país e as autoridades publicaram um relatório para demonstrar o andamento do processo em que se limitavam a devassar a vida privada de Khadija.

Khadija foi, entretanto, presa por incitamento ao suicídio de um amigo, por evasão fiscal e por abuso de poder (!), condenada a sete anos e meio de prisão, tendo cumprido parte da pena e sido posteriormente libertada. Uma pequena parte desta história de vida, com a contribuição de Kafka e Orwell, foi apreciada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, no passado dia 10 de Janeiro, ao condenar a República do Azerbaijão por não ter cumprido a sua obrigação de proteger a privacidade de Khadija, tendo em conta as evidentes deficiências na investigação bem como a duração do processo e, ainda, por não ter protegido a sua liberdade de expressão. A indemnização foi apenas de 15.000 euros, acrescidos de 1750 euros para as despesas, mas só a pressão internacional pode evitar que Khadija um dia apareça sem vida em Baku perante a aparente indiferença das autoridades.

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