Câmara de Castro Marim vende parcela do jardim infantil para se construir um hotel

O parque de estacionamento dos clientes vai ser na via pública. O edifício situa-se numa zona inundável, mas foi dispensado o parecer técnico da Agência Portuguesa do Ambiente.

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Margarida Basto

No jardim infantil de Castro Marim vai ser construído um hotel, de três pisos, com 88 camas. O lote, desanexado da zona de lazer, foi vendido pela câmara a um particular por 300 mil euros. A implantação da unidade hoteleira, de quatro estrelas, já com projecto de arquitectura aprovado, foi desenhada de modo cirúrgico para não cair dentro da Zona de Protecção à vila histórica, que tem como símbolo o castelo medieval do séc XIII, primeira sede da Ordem de Cristo. O promotor, a firma “N&L — Hotéis, Lda, com sede em Vila Real de Stº António, fica ainda com o direito de ocupar na via pública os dez lugares de estacionamento exigidos.

O lote, com uma área de 1776 metros — a parte central do jardim — situa-se numa zona privilegiada do ponto de vista paisagístico. De um lado, situam-se as salinas, com o rio Guadiana ao fundo. Do outro, lá no alto, destacam-se monumentos nacionais: revelim de Santo António (estrutura militar de defesa) e forte de São de Sebastião (classificados em 2012) e castelo medieval (classificado em 1910).

“Vão colocar ali um mamarracho”, comenta Eduardo Horta Correia, especialista em História de Arte e catedrático, jubilado, da Universidade do Algarve, referindo-se ao edifício, a implantar numa antiga zona de salinas. “Em nome da riqueza [turismo], destrói-se a verdadeira riqueza — o nosso património”, remata. 

A Direcção Regional de Cultura (DRC) do Algarve, em 2013, elaborou uma proposta de recomendação do alargamento da Zona Especial de Protecção (ZEP) destes elementos patrimoniais que incluía  o jardim. O estudo, com 30 páginas, foi enviado à Direcção Geral do Património Cultural (DGPC). No ano seguinte, a DGPC devolveu o documento com uma proposta mais ambiciosa: a  ZEP deveria ser alargada à zona húmida e prolongar-se até meio do rio Guadiana. O processo encalhou, com a habitual troca de correspondência entre a administração central e local. “Faz todo o sentido”, enfatiza José Eduardo Horta Correia, defendendo a ligação entre o património arquitectónico e a natureza. Porém, a proposta só teria força de lei se tivesse sido publicada, o que não aconteceu.

Nesse mesmo ano, a câmara encomendou um estudo para instalar um hostel no jardim. A proposta evoluiu depois para um hotel de quatro estrelas, aprovado por unanimidade em Outubro. O parecer dos serviços técnicos municipais referiu que p espaço se encontra em solo urbanizável. Embora o lote se situe a cerca de 70 metros do sapal — e, na altura de marés vivas, fique inundado — não foi pedido qualquer parecer à Agência Portuguesa do Ambiente durante a análise do processo. A única entidade externa consultada foi o Turismo de Portugal, que foi favorável. 

Projecto premiado

O local do parque de lazer, na década de 1980, era considerado as “traseiras” da vila — local para se atiravam monos e lixo. A autarquia, na altura presidida por Guilherme Anacleto, adquiriu o espaço (cerca de quatro hectares), que incluiu, também, a zona dos pombais. Seguiu-se um projecto de requalificação, elaborado pelo Gabinete de Apoio Técnico de Tavira (GAT), com dois recintos de recreio com capacidade para 32 crianças. Um investimento feito pela autarquia com o co-financiamento da Comunidade Europeia. Nessa altura,  previa-se ali a construção de um edifício de apoio à zona de lazer e lojas, que não avançou. A intervenção paisagística foi bem recebida pela população e o Ministério do Ambiente, em 1999, atribuiu-lhe uma “Menção Honrosa” no concurso “Prémio Nacional Imagem da Cidade”. Porém, a falta de manutenção levou à progressiva degradação.

Em relação ao estudo inicial do hostel, a proposta evoluiu para um projecto de um edifício que saltou de dois para três pisos — o máximo permitido no Plano Director Municipal (PDM). O imóvel mantém a mesma área de ocupação — 765 metros quadrados — mas ao lote foi acrescentada uma zona de logradouro com a área de 1011 metros quadrados, onde está prevista a construção de uma piscina e um espaço de lazer.

O historiador Luís Oliveira, investigador da Universidade do Algarve, diz que a implantação do hotel, naquela zona, “impede a leitura do espaço” e dos valores culturais em presença. “A relação com o castelo e com o mar é essencial. Portanto, cortando-se essa relação, corta-se com o passado da vila”, enfatiza.

A escritura da aquisição pela empresa que gere, também, o hotel Apolo, em Vila Real de Stº António, foi efectuada a 15/9/2017. No ano anterior, em 29/11/2016, a Assembleia Municipal aprovou, por unanimidade, a passagem desta parcela do parque de lazer do domínio público municipal para o do domínio privado da autarquia, o que permitiu a venda.     

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