“Estes alunos suaram de facto, mas isso dá-lhes estofo para o que vem a seguir”

Colégio no concelho de Cascais subiu mais de cem lugares no ranking “alternativo”, que olha para o percurso dos alunos ao longo do secundário e não apenas para os exames.

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Os Salesianos do Estoril têm cerca de dois mil alunos, perto de 400 no ensino secundário Nuno Ferreira Monteiro
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Teresa Núncio, Gonçalo Marques, Joana Gama e Margarida Portela prestaram provas nacionais no ano passado Nuno Ferreira Monteiro
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Os Salesianos do Estoril aparecem, este ano, em 7.º lugar no ranking dos exames do secundário Nuno Ferreira Monteiro,Nuno Ferreira Monteiro
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A novidade é a melhoria no indicador dos “percursos de sucesso”. Subiu do lugar 131.º para o 24.º Nuno Ferreira Monteiro
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Bernardo Viana, professor de Geometria Descritiva, assumiu em Setembro a direcção pedagógica dos Salesianos do Estoril Nuno Ferreira Monteiro
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Antes era Paula Baptista, docente de Filosofia, que tinha essas funções Nuno Ferreira Monteiro
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"A maioria dos professores não tem uma postura de estar aqui das 8h às 17h", diz Nelson Silva, director do ensino secundário Nuno Ferreira Monteiro

As manhãs começam com uma oração e uma reflexão em conjunto. Os alunos do 1.º ciclo juntam-se para o momento a que chamam “bom dia”, as turmas dos mais velhos invocam Deus, Nossa Senhora e São João Bosco já na sala onde têm a primeira aula. Além do tributo ao fundador das escolas salesianas, iniciar a manhã desta forma “dá-nos pistas para o resto do dia, ajuda-nos a focar”, diz Bernardo Viana, professor de Geometria Descritiva que, em Setembro, assumiu a direcção pedagógica dos Salesianos do Estoril. Explica como a religião é uma das dimensões deste colégio que se complementam com um objectivo final: “Que os alunos tenham uma educação integral.”

Gonçalo Marques e Margarida Portela, de 16 e 17 anos, alunos do 12.º ano, vêem na pastoral “um bónus” que levou as famílias a inscrevê-los em pequenos na escola a que reconheciam rigor. “Mais do que ensinar matéria, é ensinada uma forma de estar na vida. Há uma lógica de formar ‘bons cristãos e honestos cidadãos’”, diz Gonçalo. Ambos sentem que a exigência é o que mais dita o seu próprio sucesso. “Os professores exigem de nós aquilo que sabem que conseguimos atingir, mesmo que nós não tenhamos noção disso. Mas é uma exigência controlada, diferente de aluno para aluno”, atalha Margarida. 

Para compreender a filosofia da escola é preciso ir-se às origens, diz o professor Bernardo Viana. As primeiras escolas salesianas foram criadas por João Bosco (1815-1888) para crianças em situação de pobreza e exclusão social, com um modelo pedagógico inspirado em São Francisco de Sales que conjugava a doutrina católica cristã, educação, cultura e desporto e uma lógica de comunidade e entreajuda. Uma série de escolas foram replicadas em vários países. Em Portugal existem sete, algumas com contratos de associação. Não é o caso da do Estoril, inserida num dos concelhos com maior poder de compra do país (Cascais). No secundário a mensalidade ronda os 500 euros. E, à semelhança da escola de Lisboa (Oficinas de São José), costuma estar na lista das médias de exame mais altas do país. Aparece, este ano, em 7.º lugar no ranking do secundário, com 14,18 valores em 394 provas. 

A novidade é a melhoria no indicador dos “percursos de sucesso”, criado pelo Ministério da Educação, que diz respeito à percentagem de alunos que não reprovaram durante um determinado ciclo e tiraram positiva nos exames. Nesta escola 76% dos alunos conseguem fazer um percurso (10.º, 11.º e 12.º anos) sem chumbos. É uma taxa bem acima da registada noutras escolas com o mesmo perfil, pelo que no chamado “ranking do sucesso”, uma espécie de ranking alternativo ao dos exames, os Salesianos do Estoril estão em 24.º lugar. No ano anterior estavam no 131.º.

Não houve uma mudança concreta que o explique, afirma Nelson Silva, director do ensino secundário e professor de Filosofia. Talvez a consolidação de uma série de práticas. Entre elas o reforço, “há dois ou três anos”, do departamento psicopedagógico. Há actualmente um psicólogo para cada um dos ciclos e três professores dedicados às necessidades educativas especiais. “Demos um salto no acompanhamento que é feito também com as famílias.” E há proximidade — esta é a palavra mais repetida pelos professores e alunos com quem o PÚBLICO falou há duas semanas. “A maioria dos professores não tem uma postura de estar aqui das 8h às 17h para fazer o que lhes é pedido. A maior parte dá mais do que isso em projectos, em iniciativas extra-aula, além de todos os apoios. Isso permite-lhes exigir a um aluno aquilo que exigiriam a um filho”, sublinha o professor. Gonçalo concorda: “Os professores não se limitam àquilo que está programado. Dão do seu tempo.”

Tutores e turmas pequenas

As turmas são pequenas, com pouco mais de vinte alunos, e os docentes dizem ter uma preocupação individual. Especialmente no secundário, onde estão 400 dos quase dois mil alunos. No início do 10.º ano, por exemplo, o conselho de turma reúne-se para perceber quais as dificuldades acumuladas a que devem estar atentos no começo do novo ciclo. A carga horária nas disciplinas de exame, à excepção de Filosofia, é reforçada — são mais duas horas de Matemática ou História e Português no 12.º ano do que é indicado pelo ministério. “Assim chegamos a Maio com o programa cumprido e tempo para consolidar matéria de exame e que é importante para a universidade”, diz Nelson Silva. 

Antes disso, se foram detectadas dificuldades, “o director de turma ou um professor torna-se tutor e todos os dias está, pelo menos, uma hora com o aluno”, completa Paula Baptista, que antecedeu Bernardo Viana na direcção pedagógica. Dificuldades essas que não se costumam prender com a capacidade cognitiva, mas com falta de métodos de estudo e gestão de tempo. “Os professores com horário completo têm, pelo menos, quatro horas semanais para fazer este tipo de acompanhamento.”

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A taxa de retenção é das mais baixas — não chegou a 2% a percentagem de alunos que reprovaram no ano lectivo 2016-2017 (estes dados do ministério têm um desfasamento de um ano face aos dos exames).

Têm recursos — ademais dos infra-estruturais — muito além dos das escolas públicas. Alguns exemplos: quando há cinco anos receberam um aluno com Síndrome de Down para o 1.º ano foi criada uma turma com apenas dez crianças para que garantir que este era “correctamente acompanhado e incluído”; o número crescente de alunos estrangeiros, maioritariamente chineses, levou à criação de um programa de português para estrangeiros. As crianças têm actividades laboratoriais desde o 1.º ano e uma disciplina de artes performativas no 3.º ciclo. 

“O 20 é uma questão de brio”

Joana Gama, aluna de 12.º ano, tem um percurso comum num colégio que historicamente privilegia as ciências exactas. É, como nos anos 80, “uma escola de futuros engenheiros, arquitectos e gestores”, diz Paula Baptista. Mas, nos últimos anos, a gestão e a economia têm ganho mais protagonismo. “Disse toda a vida que queria ser médica. Mas a carreira empresarial dos meus pais pesou e vim para [o curso de] socioeconómicas”, conta Joana. Está satisfeita. Adora Economia, o conhecimento que os professores lhe transmitem sobre o mundo empresarial e a possibilidade de ter uma carreira que lhe permita tocar várias áreas.

Teresa Núncio, também finalista, aprecia essa multidisciplinaridade já oferecida na escola. Tem aulas de guitarra na Musicentro, a escola de música integrada no colégio, dá catequese aos mais novos e participa nas actividades da pastoral. Esta é, aliás, uma tradição familiar: os seus quatro irmãos estudam aqui.

O que estes quatro alunos também dizem é que os exames não os assustam. “Cheguei àquelas três semanas antes e praticamente não precisei de estudar. Foi rever a matéria”, diz Joana. Margarida Portela sente o mesmo. “Aqui a competitividade é individual: tive um 19,5 mas poderia ter mais? Então tenho que dar mais. O 20 é uma questão de brio.”

Os resultados dessa exigência tendem a ser reconhecidos, dizem os professores. “Quando os pais nos encontram já depois dos filhos terem saído da escola, a tónica é sempre esta: a aprendizagem que levam é um treino para a vida”, sublinha Nelson Silva. “Estes alunos suaram de facto, mas isso dá-lhes estofo para o que vem a seguir.”

Tudo isto assenta também numa das máximas da pedagogia de São Bosco, a amabilidade. “Um dos motivos de sucesso é perceber que temos de estar aqui em função da vida, da integração na sociedade, não apenas a pensar na carreira profissional. Estamos a criar líderes que estejam para servir, que estejam para o outro”, torna Bernardo Viana, o director pedagógico.

A religião não é, no entanto, olhada por todos da mesma forma. Teresa Núncio foi reparando, à medida que crescia, que são cada vez menos os colegas que se levantam para se confessar ao sacerdote nos momentos que a escola organiza para isso. “Temos colegas que não se identificam nada com a parte religiosa, que não acreditam em Deus, mas subscrevem os mesmos valores.” Joana Gama completa: “Claro que temos que ir à missa e há um respeito pela escola católica. No fundo, ela mostra-nos o que é ser católico e espera que os alunos adiram.”

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