O verdadeiro elefante no meio da ADSE

Enquanto se debate como deve ficar no papel a relação entre público e privado, essa relação não espera por nenhuma lei para se inverter.

1. Sejamos claros. Enquanto o Parlamento debate a Lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde, o Presidente da República compara o que diz o preâmbulo e o que está nos artigos seguintes e a oposição vai buscar o que queria dizer Maria de Belém Roseira (que fez o anteprojecto do PS), o SNS está a mudar perante os nossos olhos. Enquanto se debate como deve ficar no papel a relação entre público e privado, essa relação não espera por nenhuma lei para se inverter.

O que é que aconteceu nos últimos dias? Vários prestadores privados de cuidados de saúde ameaçaram suspender as convenções com a ADSE por discordarem da exigência de 38 milhões de euros relativos a facturações excessivas de medicamentos, próteses e cirurgias. O que esteve na base desta decisão? A ADSE andou a pagar pelo mesmo dispositivo médico 58 euros ou até 644 consoante o prestador privado. Outro caso: o mesmo dispositivo foi cobrado a 673 euros e a 10 mil euros. Como é que é possível que até agora não houvesse regras na ADSE? Com que rigor é que durante décadas a ADSE geriu as contribuições dos funcionários públicos? Vítor Gaspar e Paulo Macedo nunca deram por isso?

Recuemos ao passado recente. O Governo de Passos Coelho resolveu aumentar a contribuição dos funcionários públicos de 2,5% para 3,5%, reduzindo as transferências directas do Orçamento do Estado. O então Presidente da República, Cavaco Silva, vetou a lei por entender excessivo esse aumento e injustificado porque iria gerar mais receita do que aquela de que a ADSE precisava. “Mesmo que o aumento fosse apenas de metade, 0,5 pontos percentuais, ainda assim haveria um saldo de gerência positivo não despiciendo”, dizia o comunicado de Belém. O PS aplaudiu, tal com o BE e PCP o veto à lei, que a maioria PSD/CDS-PP de então reconfirmou no Parlamento. Mas quando a partir de 2016 o PCP entregou reiteradamente propostas para baixar essa contribuição o PS nunca as deixou passar. Ou seja, manteve a regra de Passos, já depois de se saber que Cavaco até tinha razão. Uma auditoria do Tribunal de Contas concluiu, em 2016, que a ADSE estava a ser usada para “maquilhar” o défice de forma “ilegal”: parte das receitas geradas tinham sido desviadas para outros compromissos do Estado.

Vejamos alguns números. Em 2016, a ADSE representou 21% do total de financiamento dos hospitais privados (e subiu com este Governo). Os grupos Luz Saúde e Mello são os que mais trabalham com a ADSE: 35,4% da facturação pertence-lhes. A ADSE tem actualmente 1,2 milhões de beneficiários e há vários alertas de que o SNS não teria capacidade para dar resposta a todos se os privados saíssem de cena. Então, que fazer? Dar mais meios e dinheiro ao SNS? Rever os vários contratos também do SNS com os privados? Assumir que mais tarde ou mais cedo a capacidade do público será residual? E quando o Estado tiver que negociar novamente com os privados? Será uma formiga perante o elefante? Que adiantará o papel que nos próximos dias será carimbado pelos deputados?

2. É comovente ver como o PS elogia Pedro Santana Lopes. No fim-de-semana, o congresso da Aliança, o partido criado pelo ex-líder do PSD, foi seguido atentamente pelos socialistas. Para Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa e comentador da TVI, “o congresso foi um sucesso mediático”, “Santana Lopes começa bem”, “tem peso por si”, “marcou com clareza o seu espaço”, “tem um conjunto importante de figuras do PSD” com ele. É caso para dizer que o entusiasmo do PS com Santana deve crescer à medida que Rui Rio desce nas sondagens. Ou será o contrário?

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