A ver os comboios passar

Planos ferroviários há muitos, como a nossa história recente comprova. O problema é que teimam em não sair do papel.

O ministro do Ambiente, Matos Fernandes, declarou o óbito dos carros a gasóleo. Segundo ele, numa mão cheia de anos o diesel passará a ser conjugado no pretérito perfeito e os carros a gasóleo perderão o seu valor comercial. A declaração desencadeou uma vertigem de reações, acirrando em particular o setor dos hidrocarbonetos ou da indústria automóvel.

O declínio do gasóleo é um processo conhecido e previsível. Há 11 cidades europeias que já anunciaram a intenção de proibir ou restringir fortemente os carros a gasóleo nos centros urbanos. Atenas, Madrid, Paris são alguns dos exemplos que definiram a entrada em vigor dessas medidas em 2025. Tem razão o ministro quando diz que “não podemos voltar as costas ao futuro”. A indignação corporativa seria expectável, mas é apenas mais uma tentativa de evitar o normal percurso da história.

O alerta do ministro é para o óbvio e pode ser criticado pelo determinismo da afirmação ou por vestir a pele de avaliador de automóveis, mas não por ser desfasado das ações necessárias para combater as alterações climáticas e limitar os gases com efeito de estufa. Nas críticas ao ministro quase parecia ver as palavras e o pensamento de Trump que, entre a sua arrogância e a sua ignorância, pedia o regresso do aquecimento global para combater as históricas baixas temperaturas que assolam os EUA. Os 40 graus negativos nos EUA comparam com os 40 graus positivos na Austrália e mostram como o clima está a ficar desregulado e o nosso planeta a viver situações extremas.

Onde falha a argumentação do ministro é que enquanto prega a urgência da descarbonização e o combate aos combustíveis fósseis, concede nas decisões públicas sobre os furos para prospeção de hidrocarbonetos em Portugal, nunca tendo beliscado os interesses das empresas petrolíferas. Bem prega Matos Fernandes, mas se é para levar a sério a luta contra os derivados do petróleo não pode haver dois pesos e duas medidas.

Da mesma forma que a escolha não é apenas relativa à transição do transporte individual a gasóleo (ou a gasolina) para o transporte individual elétrico. O caminho devia ser para um modelo de mobilidade que garanta uma maior eficiência energética e isso só se alcança com alterações de fundo nos transportes públicos.

A política de mobilidade não se pode fazer apenas com incentivos fiscais para a compra de carros elétricos, ou com a demissão do Estado do seu papel. Fazer da política fiscal o pilar da transição energética é desistir de um investimento público reprodutor de riqueza, criador de empregos e estrutural na política ambiental. Mais um ponto onde o Governo não tem feito o que lhe competia, neste caso com responsabilidade de um outro ministro, Pedro Marques. Mais um ministro refém de Centeno? As metas de défice para apresentar em Bruxelas não estarão inocentes neste caso.

O investimento na ferrovia está abaixo do que o Governo prometeu. Das promessas e anúncios feitos com regularidade desde que se percebeu a corrida em curso para as eleições europeias, temos muitas intenções mas poucas conclusões. Planos ferroviários há muitos, como a nossa história recente comprova. O problema é que teimam em não sair do papel. Nesse particular, o Governo atual não tem nenhuma originalidade, apenas tem seguido a cartilha dos anteriores.

O candidato Pedro Marques tem percorrido o país com afã e anunciado investimentos, mas o ministro Pedro Marques tem falhado na execução do plano Ferrovia 2020, com claros prejuízos para o país e para a transição energética de que necessitamos. O exemplo da falta de investimento na CP, com os atrasos, supressões e restrições conhecidas, está longe de ser exemplo único como se comprova pelos dados agora tornados públicos.

Pedro Marques foi apresentado ao país como o mago dos fundos comunitários, que conseguiria fazer ressuscitar o investimento público. Sendo certo que não herdou do governo anterior a vontade privatizadora, muito por responsabilidade dos acordos à esquerda, é inequívoco que não cumpriu os objetivos de investimento público e de recuperação da ferrovia. O ambiente continua à espera.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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