Selma Uamusse vê cada concerto como “uma cerimónia única”

Cantora moçambicana começa dia 1 de Fevereiro uma digressão para apresentar ao vivo Mati, o seu celebrado disco de estreia. Com um sucessor quase pronto, a editar ainda em 2019.

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Selma Uamusse DANIEL ROCHA

Um ano depois do lançamento do seu álbum de estreia, Mati, a cantora e compositora moçambicana Selma Uamusse começa a apresentá-lo ao vivo em Portugal, numa série de concertos que terão início já no dia 1 de Fevereiro, no Theatro Circo, em Braga, às 21h30, e que continuarão por Castelo Branco (Cine-Teatro Avenida, dia 2, às 21h30), Lisboa (Lux, dia 7, 23h), Porto (Sala 2 da Casa da Música, dia 8, às 23h) e São João da Madeira (Casa da Criatividade, dia 9, 22h). Isto para mencionar as salas já garantidas, porque as marcações continuam e haverá mais. Mas se a digressão que agora se aproxima da estrada servirá para apresentar o álbum de 2018, a cantora já tem muito adiantado um novo disco, que deverá sair ainda em 2019.

Nascida em Maputo, a 24 de Dezembro de 1981, ainda não se apresentou em concerto no seu país natal com Mati, embora conte fazê-lo em breve, em Maio. Mas esteve em Moçambique em finais de 2018 (passou lá o Natal e o Ano Novo) e falou dele em entrevistas a jornais, à rádio e à televisão “Fiz algumas apresentações em que dei a ouvir o disco e conversei sobre as músicas”, diz Selma ao PÚBLICO. “As pessoas reagiram muito bem, houve algumas que disseram que eu tinha um patriotismo meio ingénuo, mas que era muito interessante perceberem que alguém que está fora de Moçambique pode sentir genuinamente aquilo que é raiz, tradição.”

Sementes e rituais

Em Portugal desde os seis anos, e mais definitivamente desde os 13, Selma passou por diversos projectos musicais (WrayGunn, Nu Jazz Ensemble, Cacique 97, Sean Riley, Buraka Som Sistema, Rodrigo Leão) antes de se lançar a solo. O álbum de estreia demorou muito a ser editado, por razões contratuais e técnicas, e sentimo-la agora a recuperar o tempo perdido (isto não deve ser levado à letra, porque ela andou sempre de palco em palco). Já apresentou Mati em Espanha e no Brasil e, em 2019, além de Portugal, Moçambique e talvez de novo o Brasil, marcou ou está em vias de marcar concertos na Polónia, no Luxemburgo, em França, na Bélgica, e possivelmente nos EUA.

Na visita a Moçambique, mesmo em férias, preparou o terreno: “Senti que tinha de deixar uma semente para as pessoas ouvirem e verem, vídeos e músicas.” Não só. Também explicou a forma como aborda a música de raiz, dando-lhe um cunho pessoal caldeado noutras experiências (como o gospel ou a electrónica). E o que veste: “Expliquei que gosto de usar roupa em capulana, em especial nos concertos, embora saiba que em Moçambique nenhum jovem da minha idade usa todos os dias capulana. O uso das capulanas está sempre ligado aos rituais (de casamento, de iniciação, o que for) e eu faço questão de honrar o momento de cada concerto, que é também uma cerimónia única.”

Negra, africana, mulher

Mas a sua grande experiência em 2018 foi o Brasil, com um concerto no Rio de Janeiro, “num sítio muito especial”, o Circo Voador (“um lugar onde as pessoas já vão com uma predisposição para ouvirem música diferente”) e sete concertos na gigantesca São Paulo. “Apercebi-me de que poderia estar um ano em São Paulo e tocar sempre em salas diferentes. São 12 milhões de habitantes na cidade e 22 milhões na área metropolitana, e para mim foi literalmente incrível.”

Dessa experiência reteve a dificuldade em fazer-se entender no português de Portugal (que ela fala com um sotaque muito lisboeta, ouvido como “tuga” em Moçambique) e o calor da recepção: “Os brasileiros são um povo muito emocionado, é tudo um pouco exagerado, mas esse exagero foi para mim catalisador de algo que ainda não tinha experimentado, nem em Moçambique nem em Portugal, que é uma explosão de todos os meus mundos. Foi muito interessante, porque cantei sempre num contexto não muito virado para África mas para a música indie, moderna; e depois o lado de África despertava aquilo que tem sido uma luta para muitos brasileiros. Acho que o facto de eu ser negra, africana, mulher, e, sendo eventualmente atraente, não ter uma maneira sensual de estar em palco mas uma forma física mais afirmativa e forte, levou a que ali se sentisse uma espécie de poder negro e feminino muito apreciado pelo público.”

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Selma com a sua banda, fotografados no auditório do PÚBLICO DANIEL ROCHA

Nos concertos em Portugal, Selma vai aproximar-se o mais possível do som criado para o disco. “A banda é formada por quatro elementos, comigo inclusive, mas vamos tentar que ela seja um bocadinho mais alargada para podermos apresentar o disco na íntegra. A sonoridade é mais ou menos a mesma, porque temos algumas coisas gravadas em samples. Mas queremos que seja um concerto mais orgânico, e na medida do possível concretizado ao vivo: por exemplo, a ideia é que o coro gospel e a secção de sopros que gravaram o disco estejam connosco pelo menos no concerto de Lisboa.”

A par de alguns temas anteriores a Mati, Selma Uamusse vai apresentar pelo menos duas novas canções, que integrarão o próximo disco: Mbilo (“coração”) e No guns (“sem armas”). O sucessor do disco de estreia está quase todo gravado (“faltam as vozes finais”) e já tem título, embora Selma prefira mantê-lo em segredo. Sairá, espera, em 2019: “Depois deste processo longínquo, agora que seja breve!”

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