Álcool e droga: há menos pessoas a tratar-se, "é urgente" perceber porquê

Em 2017, houve menos pessoas a entrar no sistema de tratamento de problemas relacionados com a droga e com o álcool. Esta diminuição pode dever-se a constrangimentos à entrada no sistema, segundo o coordenador nacional, João Goulão.

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Paulo Pimenta

O número de pessoas que procuraram pela primeira vez tratamento para problemas relacionados com o uso de drogas e de álcool baixou em 2017. No primeiro caso, a diminuição foi de 15% e no segundo, o do álcool, de 11%. Esta diminuição faz João Goulão, o coordenador-nacional do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Adictivos e nas Dependências (SICAD), desconfiar da existência de constrangimentos na admissão de novos doentes nos serviços que estão, desde 2012, sob a alçada das Administrações Regionais de Saúde.

“Não conseguimos ter uma noção clara da dimensão destes constrangimentos nem se há ou não listas de espera. Mas é urgente perceber se esta diminuição dos doentes que procuram tratamento pela primeira vez não tem que ver com a existência de entraves à entrada”, declarou nesta quarta-feira ao PÚBLICO, no dia em que foi ao Parlamento apresentar o relatório anual que traça o diagnóstico do país em matéria de droga e de álcool. “São-nos referidas situações pontuais de dificuldades na entrada mas não conseguimos ter uma visão de conjunto, muito menos quando os serviços estão sob alçada de cinco diferentes regiões de saúde”, acrescentou.

A falta deste “retrato real do número de pessoas que estão à porta do sistema, sem conseguirem entrar” serve de pretexto para que o coordenador do SICAD volte a reivindicar do Governo uma tomada de decisão quanto ao modelo governativo dos serviços que tutelam o tratamento das dependências.

O anterior secretário de Estado adjunto da Saúde, Fernando Araújo, tinha prometido uma decisão para o início do ano passado. Mas, entre grupos de trabalho e relatórios vários, a situação de “ingovernabilidade” tem-se vindo a arrastar, tendo levado, em Novembro de 2017, à demissão dos 13 coordenadores da Divisão de Intervenção nos Comportamentos Adictivos e nas Dependências (DICAD) do Norte que, já então, apontavam o aumento das listas de espera entre os utentes.

No relatório deste ano, Goulão louva os profissionais “que têm gerido com grande dignidade as alterações funcionais ocorridas, causadoras de entropias no sistema de governação e de acção”. Ao PÚBLICO, aponta “a saída de muitos profissionais” que tem levado a uma diminuição da capacidade de resposta mas diz confiar que “há vontade desta nova equipa ministerial em resolver a situação”.

“Penso que estão a trabalhar na questão. Vou-me mantendo no cargo enquanto sentir que estou a contribuir para a resolução dos problemas”, declarou, rejeitando um cenário de afastamento do lugar que ocupa desde 1997.

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O relatório de 2017 mostra que estão a chegar mais jovens às Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) por terem ou estarem expostos a comportamentos relacionados com bebidas alcoólicas que afectam o seu bem-estar e desenvolvimento. Foram sinalizados 305 casos em 2016 e 302 no ano seguinte. São “os valores mais altos” dos últimos cinco anos. Nos três anos anteriores, os casos rondavam as duas centenas. Em cerca de metade das situações, foram as próprias crianças ou jovens a assumir comportamentos de risco induzidos pelo álcool.

Mulheres e pessoas mais velhas

Os indicadores de 2017 voltam a acentuar o agravamento dos consumos problemáticos de álcool e de cannabis entre as mulheres e no grupo dos mais velhos. “No desenvolvimento das acções preventivas temos estado muito virados para os jovens em idade escolar mas, perante estas percentagens muito relevantes de consumos problemáticos nas mulheres e nos grupos de mais idade, temos que intensificar a intervenção em meio laboral e desenvolver estratégias específicas de género e voltadas para a terceira idade onde também há problemas significativos”, antecipa Goulão.

Nem tudo são más notícias: entre os mais jovens, parece haver uma maior percepção do risco associado ao consumo de substâncias. Além disso, os consumos, nomeadamente da cannabis, tendem a iniciar-se em idades mais avançadas.

Mas, porque a cannabis é, pelo sexto ano consecutivo, a principal droga de consumo entre os que procuram tratamento pela primeira vez, Goulão reconhece que o problema foi desvalorizado (nomeadamente durante os anos em que as preocupações incidiam sobre os consumos de heroína) e que chegou a hora de desconstruir o discurso que tende a desvalorizar a nocividade da cannabis. “Há uma enorme aceitação social da cannabis, assente na ideia de que é uma substância que até ajuda a tratar doenças, e é preciso começar a prevenir estes consumos que agora aparecem como dominantes e motivadores dos maiores pedidos de ajuda nos tratamentos”, aponta.

No tocante ao álcool, o último grande inquérito feito em 2016/17 a 12 mil pessoas entre os 15 e os 74 anos já mostrava que 2,8% da população apresentava padrões de consumo nocivo ou dependência. Se recuarmos a 2012, “aumentou a frequência do binge [consumo de cinco ou mais bebidas num único momento] e agravaram-se os consumos de risco e dependência”.

Mas as preocupações relacionadas com o abuso do álcool não se ficam por aqui: as infecções com o vírus da Hepatite C aumentaram entre os utentes que iniciaram tratamento.

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Por outro lado, os internamentos hospitalares com diagnóstico principal atribuível ao álcool estão a diminuir (4425, menos 18% do que em 2016). Mas as mortes por doenças atribuíveis ao álcool estão a aumentar. Em 2016 (o relatório não dispõe de números de 2017) houve 2515 óbitos por doença derivada do abuso de álcool. Foram mais 9% do que em 2015 e o valor mais alto dos últimos cinco anos.

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