Portela+Montijo – um beco sem saída

Em que se baseiam as taxas de crescimento adoptadas para justificar a solução Governo/Vinci?

Foi anunciado com pompa e circunstância no dia 8 de Janeiro o acordo entre o Governo e a Vinci (empresa francesa concessionária da ANA, que gere os aeroportos portugueses até 2062) para aumento da capacidade aeroportuária de Lisboa, aumentando a capacidade da Portela e transformando a Base Aérea do Montijo num aeroporto civil. Serão investidos cerca de 650 milhões de euros na Portela e 520 milhões no Montijo nos próximos anos, e mais 421 milhões até ao fim da concessão. Segundo o Governo, o objectivo é aumentar a capacidade para 50 milhões de passageiros por ano, quando a Portela movimentou 26,8 milhões em 2017. O número máximo de movimentos (soma de aterragens e descolagens) por hora passará de 40 para 72. O aumento é de cerca de 86,7% para o n.º de passageiros e 80% para o n.º de movimentos. O Governo diz que esta solução resolve o actual problema de falta de capacidade aeroportuária até ao fim da concessão à Vinci, daqui a 43 anos.

Superficialmente, parece a solução ideal. Veja-se agora com mais detalhe: a longevidade da solução baseia-se num estudo de procura de transporte aéreo de passageiros para a região de Lisboa, cuja página 6 se mostra de seguida.

Foto

Conforme se pode constatar, para chegar à conclusão que a solução proposta satisfaz as necessidades aeroportuárias da região de Lisboa até ao fim da concessão foi necessário considerar que a procura na região de Lisboa de 2020 a 2025 seria de 4% ao ano e a partir de 2025 passaria a ser de 2% ao ano. No entanto, os aumentos reais verificados até ao presente são em média muito superiores. A experiência mostra que o tráfego aéreo cresce em geral acima do aumento do PIB (riqueza produzida por um país em cada ano). O próprio relatório reconhece que o aumento médio do transporte aéreo de passageiros no mundo é de 5% ao ano. A taxa de aumento dos 75 maiores aeroportos europeus, entre os quais se encontra a Portela, em 2016 foi também de 5%. Como em 2018 o tráfego de passageiros na Portela ultrapassou os 29 milhões de passageiros, se o crescimento daqui para a frente fosse igual à média mundial e dos maiores aeroportos europeus (entre os quais a Portela se inclui), a solução Portela+Montijo saturaria daqui a 12 anos, pois 29x1,0512=50. Ou seja a saturação dava-se em 2031. Perante esta situação, o Governo ou a Vinci podem argumentar que 5% é uma taxa muito alta. Mas com base em quê? Na tabela seguinte apresentam-se n.ºs de passageiros movimentados anualmente na Portela em diversos anos, e na 3.ª linha a percentagem de aumento médio entre cada ano e 2017. Constata-se que as taxas não são inferiores a 5%, são sempre superiores.

PÚBLICO -
Aumentar

Então, em que se baseiam as taxas de crescimento adoptadas para justificar a solução Governo/Vinci? O estudo de procura não responde a esta pergunta, ou seja, a solução adoptada pelo Governo para aumentar a capacidade aeroportuária de Lisboa baseia-se em nada. Aparentemente martelaram-se os n.ºs que convinha para dar o resultado que o Governo pretendia. O leitor pode sentir-se baralhado com esta análise, parece que alguém o anda a enganar. Dou-lhe uma sugestão: não acredite em ninguém e faça o seu próprio julgamento. Neste artigo, os n.ºs das capacidades para movimentar passageiros e os custos são do Governo; os dados sobre passageiros na Portela são do site da Pordata, indicado sob a tabela; o resto são contas que miúdos de 14 anos sabem fazer. Ou seja, não é preciso ter nenhum curso superior para formar a sua própria opinião e fazer um julgamento sobre esta questão.

Ou seja, o mais provável é que a Portela+Montijo sature antes de 2031, ou, com bastante sorte, pouco depois. Pode ser uma solução boa no curto prazo, mas será um beco sem saída para Portugal, pois nessa altura a concessionária terá um contrato válido por mais 30 anos. Em consequência, durante esses 30 anos o tráfego será “empurrado” provavelmente para Espanha, e Portugal perderá capacidade de receber turistas, técnicos e investidores, com consequências muito negativas para o desenvolvimento económico do nosso país. No que diz respeito às ligações de passageiros ao mundo passaremos a ficar como qualquer província de Espanha, ou seja, para voar para destinos fora da Europa, em geral teremos que ir a Madrid. Nem os Filipes, há 400 anos atrás, conseguiram fazer a Portugal o que este Governo está a fazer. Por só pensar no curto prazo, o Governo compromete o futuro dos mais novos e das gerações vindouras.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários