A investigação sobre a Rússia apanhou Roger Stone, um velho amigo de Trump

O antigo conselheiro do Presidente norte-americano foi acusado de sete crimes de obstrução, declarações falsas e intimidação de testemunha.

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Roger Stone Brendan McDermid

A principal investigação sobre as suspeitas de conspiração entre a campanha de Donald Trump e a Rússia, nas eleições de 2016 nos EUA, deu esta sexta-feira o primeiro passo em frente nos últimos meses. Com o anúncio da detenção de Roger Stone, o excêntrico amigo de longa data e conselheiro de Trump que se gabou de comunicar com a WikiLeaks em plena campanha, a equipa do procurador especial Robert Mueller levanta o véu sobre o que acredita ter acontecido em 2016: que houve um esquema entre o núcleo de Trump, a Rússia e a WikiLeaks para sabotar as eleições e travar uma possível vitória de Hillary Clinton.

Roger Stone foi detido em casa, no estado da Florida, na madrugada desta sexta-feira. Foi libertado à tarde sob caução. 

Segundo um comunicado da equipa liderada pelo procurador Mueller, Stone vai ser ouvido ainda esta sexta-feira, quando forem 16h em Portugal continental (11h em Washington) num tribunal da capital dos EUA.

Aos 66 anos, Roger Stone é um veterano dos lóbis políticos em Washington e das campanhas eleitorais, quase sempre no lado do Partido Republicano mas também em defesa de figuras do Partido Libertário – começou em 1972, na reeleição de Richard Nixon, que acabaria mais cedo por causa do escândalo de Watergate, e em 2012 apoiou o candidato libertário, Gary Johnson. Pelo meio, trabalhou nas campanhas de Ronald Reagan e Bob Dole.

Mas foi o seu passado de amizade com Donald Trump, desde a década de 1980, e a sua queda para fazer declarações bombásticas sem aparente receio das consequências que lhe valeram a atenção do procurador Mueller.

Stone esteve sempre na linha da frente a incentivar Trump a candidatar-se à Casa Branca, em 1988, 2000 e 2012. E em 2015 fazia parte do círculo mais próximo do magnata do imobiliário quando ele decidiu, finalmente, concorrer até ao fim nas eleições presidenciais.

Integrou oficialmente a campanha de Trump por poucos meses, até Agosto de 2015, mas depois disso "manteve contacto regular e apoiou a campanha publicamente" até ao dia das eleições, em Novembro de 2016, segundo a acusação formal, revelada esta sexta-feira e que levou à detenção de Stone.

O intermediário

Ao todo, Stone é acusado de sete crimes, todos relacionados com a forma como lidou com uma outra investigação sobre as eleições de 2016, lançada pela Câmara dos Representantes: um crime de obstrução às investigações, cinco de declarações falsas e um de intimidação de testemunha.

Robert Mueller foi nomeado procurador especial pelo Departamento de Justiça em Maio de 2017 para investigar as suspeitas de conspiração entre a campanha de Trump e a Rússia, após o despedimento do então director do FBI, James Comey, pelo Presidente. A sua investigação é a mais importante de todas – mais do que as da Câmara dos Representantes e do Senado – porque pode resultar numa recomendação de destituição ao Congresso e criar problemas a Trump após a sua saída da Casa Branca.

Segundo o que se depreende da acusação agora conhecida, Stone é visto como uma espécie de placa giratória entre elementos da campanha de Trump, um agente russo (conhecido no Twitter como Guccifer 2.0) e o fundador da WikiLeaks, Julian Assange. Esta é a acusação que fica implícita; por enquanto, Stone é acusado apenas de obstruir, mentir e intimidar uma testemunha.

Segundo a acusação, durante a campanha eleitoral os agentes russos entraram nos servidores do Partido Democrata e do chefe da campanha de Hillary Clinton para roubarem e-mails que acreditavam ser prejudiciais para a adversária de Trump. Depois, entregaram esses e-mails à WikiLeaks, cujo fundador estaria em contacto com Roger Stone para o informar antecipadamente sobre as divulgações.

Ao longo de 2016, o próprio Stone disse várias vezes que tinha acesso directo a Assange, que continua refugiado na embaixada do Equador em Londres: "Eu comuniquei com Assange. Acredito que a próxima parcela dos seus documentos está relacionada com a Fundação Clinton, mas não há maneira de se saber qual será a grande surpresa de Outubro", disse Stone numa reunião do Partido Republicano, no Sul da Florida, em Agosto de 2016 – três meses antes das eleições e semanas depois da divulgação de milhares de e-mails do Partido Democrata.

"Responsável sénior"

Desde que começou a ser investigado, Stone tem dito que só teve acesso indirecto a Assange, através de intermediários externos à campanha de Trump. E Assange disse que nunca falou com ele, e que o único objectivo de Stone era inflacionar a sua importância no círculo mais próximo de Trump.

Mas a acusação diz também que "um alto responsável" da campanha de Trump foi instruído a contactar Stone para saber se a Organização 1 [a WikiLeaks] estava a preparar divulgações adicionais ou se tinha outro tipo de informação danosa sobre a campanha de Clinton". O documento não refere o nome do "alto responsável" e deixa em aberto a hipótese de ser o próprio Donald Trump – um dos poucos que tinha poder para dar instruções a um responsável de topo na sua campanha.

Em resposta, o advogado de Roger Stone, Grant Smith, disse que as acusações são "ridículas" e que se baseiam numa "acusação menor de mentir ao Congresso sobre algo que aparentemente só foi descoberto mais tarde". E a porta-voz da Casa Branca, Sarah Sanders, distanciou Trump das acusações contra Stone, dizendo apenas que o caso "não tem nada que ver com o Presidente".

Em Dezembro, Trump elogiou Stone numa mensagem no Twitter, levando vários analistas a discutirem se essa manifestação pública poderia ser entendida como pressão sobre uma possível testemunha.

"Stone diz, essencialmente, que nunca será forçado a inventar mentiras sobre o Presidente Trump por um procurador descontrolado. É bom saber que algumas pessoas ainda têm coragem!", disse Trump.

As suspeitas

Durante a campanha eleitoral de 2016 foram divulgados milhares de e-mails do Partido Democrata e da campanha de Hillary Clinton que podem ter influenciado o resultado eleitoral.

Esses e-mails, divulgados no Verão de 2016 e mais perto do dia das eleições, pareciam indicar que a liderança do Partido Democrata favorecia a candidatura de Clinton em detrimento da candidatura do seu opositor nas eleições primárias, Bernie Sanders.

Desde então, os serviços secretos norte-americanos e a equipa do procurador especial Robert Mueller dizem ter determinado que os e-mails foram roubados por agentes russos e entregues à WikiLeaks e outros sites com o objectivo de prejudicar a campanha de Hillary Clinton. E agora, com a acusação contra Stone e a afirmação de que a campanha de Trump quis saber que segredos tinha a WikiLeaks sobre Clinton e o Partido Democrata, os investigadores acreditam que começaram a fechar o círculo.

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