Serviços mínimos devem ter em conta as características da greve cirúrgica

Representante da Ordem dos Médicos defende o alargamento dos serviços mínimos para a greve cirúrgica. Ordem dos Enfermeiros afirma que não recebeu denúncias de violação das regras e que a vida dos doentes não foi colocada em causa. Foram ouvidos no Parlamento nesta quarta-feira.

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NFACTOS / FERNANDO VELUDO

O presidente da secção Norte da Ordem dos Médicos defendeu nesta quarta-feira que os serviços mínimos decretados para a chamada "greve cirúrgica" dos enfermeiros deviam ser alargados, tendo em conta a duração da paralisação e o facto de incidir nos blocos operatórios. Já a bastonária dos enfermeiros assegurou que durante a greve que marcou o final do ano passado não recebeu nenhuma denúncia relacionada com a violação de serviços mínimos.

Os dois representantes foram chamados à comissão parlamentar de saúde pelo PS e PSD para prestarem esclarecimentos sobre a greve dos enfermeiros que se realizou em cinco centros hospitalares no final do ano passado e levou ao cancelamento de milhares de operações.

Uma nova "greve cirúrgica" foi marcada para começar esta semana, e entretanto suspensa depois de o Ministério da Saúde ter convocado no último fim-de-semana os sindicatos dos enfermeiros para uma reunião nesta quinta-feira.

As questões foram comuns aos vários partidos. O direito à greve é um direito inquestionável, a "greve cirúrgica" limitou o direito dos doentes no acesso à saúde? Os deputados recordaram as palavras do representante da Ordem dos Médicos, António Araújo, que denunciou que havia piquetes de greve à porta dos blocos operatórios para analisar as prioridades dos doentes que estavam para ser operados.

“O que estamos aqui a analisar não é uma guerra entre médicos e enfermeiros, nem a colocar nenhuma violação dos serviços mínimos. A questão fulcral tem a ver com as características da "greve cirúrgica": a sua duração e os serviços que afecta, nomeadamente os blocos operatórios. Os serviços mínimos têm de ser acomodados de acordo com as características da greve e não como uma greve normal”, afirmou António Araújo, afirmando que é “uma guerra” por melhores condições de trabalho e mais recursos.

António Araújo reforçou a mensagem, salientando que “foram acordados serviços mínimos como se fosse uma greve de uma semana”. “Há serviços mínimos que todos entendemos que são urgentes. Por exemplo, um doente oncológico tem assegurado serviços mínimos. Há outras situações que não estão nos serviços mínimos e que lesam os direitos dos utentes”, disse o médico.

Um dos exemplos que deu foi o de uma senhora que entrou durante a noite, atacada por um cão. “Não havia cirurgia plástica, foi internada para ser operada no dia seguinte de manhã. Chegou ao bloco e não era uma situação urgente porque vinha do internamento. Esta senhora foi protelada.”

António Araújo reafirmou que “havia piquetes de greve à entrada dos blocos operatórios" que "protelaram algumas cirurgias e colocaram em causa o critério de urgência dado pelo médico”. “Foi por isso que viemos alertar os decisores políticos para a situação”, disse.

Sem denúncias

Também a bastonária dos enfermeiros reafirmou que esta “não é uma guerra entre profissionais de saúde, é uma luta pelo SNS”. “A Ordem dos Enfermeiros reconhece que esta é uma greve atípica. Isso não quer dizer que não tenha estado atenta e perguntado se houve ou não perigo de vida”, afirmou Ana Rita Cavaco.

“A Ordem dos Enfermeiros não recebeu uma única denúncia sobre o que disse o dr. António Araújo. Reuniu-se várias vezes para falar com os enfermeiros directores dos centros hospitalares onde decorreu greve, assegurámo-nos que não tinha havido nenhuma situação de violação de serviços mínimos. A greve cria tensão, prejudica os utentes mas não ao ponto de comprometer a vida”, afirmou a bastonária.

Ana Rita Cavaco reforçou a mensagem: “As prioridades são definidas pelos médicos e perguntámos se tinham existido problemas com piquetes e disseram-nos que não. Os enfermeiros directores disseram que enfermeiros foram mais além dos serviços mínimos e abriram mais salas para dar respostas” aos doentes.

A bastonária defendeu que a greve é o último recurso sempre. E que os enfermeiros não a desejam fazer. “Seria mais útil se houvesse uma negociação séria e uma aproximação ao que os enfermeiros pedem desde 2009 e se calhar podem dar outras coisas. Há profissões que devem reformar-se mais rápido, enfermeiros é uma delas”, salientou Ana Rita Cavaco.

E deixou críticas aos deputados do PS e à forma como realizaram o encontro com o Movimento Greve Cirúrgica no final do ano passado. “Era mais útil perguntar o que podemos dar aos enfermeiros e ao SNS do que estar a chamar o Movimento Greve Cirúrgica ao Parlamento com a ministra da Saúde para perguntar se a bastonária dos enfermeiros está por trás da greve. Não sei onde fica a separação de poderes para haver aqui uma reunião.”

O PS reagiu pela voz do deputado Luís Soares, que afirmou que “nenhuma Ordem pode cercear a legitimidade dos grupos parlamentares de receberem cidadãos, grupos ou sindicatos no Parlamento”.

Ana Rita Cavaco voltou a dizer que “todos os dias há mortes evitáveis nos hospitais por falta de enfermeiros”, salientando que o rácio de enfermeiros por mil habitantes é dos mais baixos da Europa. “Por cada doente a mais, há uma taxa de mortalidade nos hospitais que sobre 7%. Perigoso é continuar a ter um enfermeiro para 40 doentes ou enfermeiros a trabalhar 12 horas sem almoçar.”

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