Organização diz que há quem incentive as sauditas a fugir do país

De uma organização financiada pelo Governo de Riad surge a única reacção à fuga de Rahaf Mohammed al-Qunun para o Canadá.

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A chefe da diplomacia canadiana, Chrystia Freeland (à direita), foi buscar Rahaf Mohammed al-Qunun ao aeroporto CARLOS OSORIO/Reuters

Uma organização saudita apoiada pelo Governo acusou vários países estrangeiros de incentivar jovens a renunciar às suas famílias e ao seu país - trata-se da primeira reacção de Riad ao caso da saudita que fugiu à família e conseguiu asilo no Canadá.

A Sociedade Nacional pelos Direitos Humanos (NSHR) não mencionou Rahaf Mohammed al-Qunun, de 18 anos, que chamou a atenção internacional após ter-se barricado num quarto de hotel no aeroporto de Banguecoque e de ter pedido ajuda através do Twitter para não ser fosse deportada e devolvida à família, que nega qualquer abuso.

No entanto, num comunicado divulgado na noite de domingo, o presidente da NSHR, Mufleh al-Qahtani, acusou vários países (não especificados) e organizações internacionais de terem uma agenda política quando "incentivarem mulheres a perderem-se e a caírem nos braços de traficantes de seres humanos".  

Embora a NSHR afirme ser independente, o Departamento de Estado dos EUA descreve-a como uma organização "financiada pelo governo" de Riad.

O histórico de direitos humanos da Arábia Saudita tem estado no centro das atenções desde o assassínio do jornalista saudita Jamal Khashoggi, no consulado da Arábia Saudita em Istambul, a 2 de Outubro. Cresceram também as críticas internacionais aos ataques aéreos feitos pela coligação anti-Daesh liderada pela Arábia Saudita no Iémen, que causaram a morte de vários civis, incluindo crianças.

O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, disse em Riad ter conversado com os líderes sauditas sobre o Iémen, Khashoggi e outras questões de direitos humanos.

A NSHR "ficou surpreendida por alguns países incentivarem as mulheres sauditas 'delinquentes' a revoltarem-se contra os valores familiares, por as encorajarem a fugir do país e a recebê-las sob o pretexto de lhes conceder asilo", disse Qahtani.

O presidente da NSHR não mencionou o Canadá nem a Austrália, que também ofereceu asilo a Qunun, ou o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que lhe concedeu o estatuto de refugiada.

Qunun chegou a Toronto no sábado, vestida com uma camisola de capuz com a palavra Canadá e um boné com o logótipo do ACNUR. A ministra dos Negócios Estrangeiros do Canadá, Chrystia Freeland, deu-lhe as boas-vindas no aeroporto, apelidando-a de "nova canadiana muito corajosa".

Esta decisão do Canadá ocorreu num clima de tensão com Riad, depois de Ottawa ter exigido a libertação imediata de activistas dos direitos humanos detidos no ano passado, o que levou a Arábia Saudita a expulsar o canadiano, a chamar os sauditas que vivem neste país e a congelar futuros negócios.

O caso também chamou a atenção para o sistema de tutela masculina da Arábia Saudita, que exige que as mulheres necessitem da permissão de um familiar do sexo masculino para viajar, o que por vezes as mantém prisioneiras de famílias abusivas - Rahaf Mohammed al-Qunun disse ser este o seu caso.

Qahtani disse que as leis sauditas proíbem os maus-tratos e permitem que as mulheres os denunciem, mas as organizações de direitos internacionais afirmam que na prática muitas mulheres sauditas receiam que ir à polícia as deixe em risco de vida.

Tradução de Raquel Grilo