Há robôs que querem tomar conta de nós

Têm um aspecto amistoso, contam piadas e podem ajudar nos cuidados de saúde. Há cada vez mais empresas a apostar no mercado da robótica de companhia.

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Já há robôs, como o Zora, da Softbank Robotics, em lares de idosos Regis Duvignau/Reuters

Pillo tem o tamanho de uma máquina de café, fala com o dono e dá-lhe comprimidos. Foi inventado pelo italiano Emanuelle Musini, depois de o pai morrer.

“O meu pai esquecia-se frequentemente de tomar a medicação para os problemas que tinha no coração. Os avisos no telemóvel e alarmes não ajudavam, porque eram fáceis de ignorar. Com a sua morte, passei muito tempo a reflectir sobre a possibilidade de existir alguém – uma entidade –, em vez de algo mecânico e sem rosto para fazer estes avisos”, explica Musini​ ao PÚBLICO. “Muitas vezes, as pessoas precisam de uma entidade a quem possam chamar pelo nome, que as conheça, que as saiba animar. O Pillo quer ser isso.”

Por detrás do ecrã o aparelho tem um dispensador de comprimidos (guarda doses para 28 dias), que são dados ao utilizador à hora certa. Também é capaz de responder a perguntas (por exemplo, o número de calorias e os nutrientes em alguns alimentos). Serve de agenda, ao recordar ao utilizador os seus compromissos e permite fazer videochamadas. Nos EUA, já foi considerado um equipamento médico pela FDA, a agência federal norte-americana que regula o uso de medicamentos.

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Pillo, um robô que se assemelha a uma máquina de café – com rosto

Um Pillo custa 499 dólares (cerca de 430 euros), com uma subscrição mensal adicional de 40 dólares. 

Mercado em expansão

São cada vez mais os robôs e assistentes digitais personalizados, capazes de interagir através de sons, gestos e até emoções. São desenvolvidos para estar em casa das pessoas e fornecer informação, ajudar em tarefas ou, simplesmente, fazer companhia. Muitos têm um ar humanóide. Ou, pelo menos, um par de olhos.

A CES, a feira de novos aparelhos de electrónica em Las Vegas, está cheia destes robôs: desde a Kiki e a Liku, concebidas para fazer companhia aos humanos (e não gostam de ser ignoradas), ao Pillo e ao Chuangze, que têm a missão de garantir que as pessoas com quem interagem se mantêm saudáveis. Pillo pode estar na cozinha a avisar sobre o estado do tempo, a dizer piadas ou a lembrar alguém de tomar comprimidos. Já o Chuangze é mais comum em centros de saúde ou lares de idosos. “Com um amigo como eu, não tens de recear ficar doente todo o ano!”, diz o robô chinês. Foi uma das máquinas a ganhar os prémios de inovação de 2019 da CES. 

Apesar de estes robôs virem todos com câmaras, sensores, ligação à Internet, microfones e ecrãs tácteis, os donos mais comuns não são a geração Y (que assistiu à explosão da Internet), nem a geração Z (que nasceu depois de 1995 e cresceu com ecrãs), mas sim os mais velhos, que começam a ver estas máquinas, que até certo ponto copiam o comportamento humano, como uma forma de manterem a independência.

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O Chuangze cumprimentava os visitantes da CES com mensagens no ecrã

É um mercado em crescimento num mundo a envelhecer. Em 2030 vão existir pela primeira vez mais seniores (pessoas com mais de 65 anos) do que crianças com menos de nove anos – os dados são do relatório de 2017 da Organização Mundial de Saúde sobre o Envelhecimento da População Mundial.

“A tecnologia permite que as pessoas vivam de forma autónoma e independente durante mais tempo”, justificou Stephen Ewell, responsável pela associação que organiza anual a feira de Las Vegas, a Consumer Technology Association.

“Não é nada surpreendente que 99% dos inquiridos digam que querem viver de forma independente. E 74% dizem que aceitariamm ajuda se pudesse continuar a viver sozinhos”, acrescentou Ewell, citando dados de um estudo organizado pela CTA, em que foram inquiridos 700 idosos norte-americanos e que será publicado em breve.

De acordo com dados avançados por Ewell, o mercado de tecnologia para prestar assistência a pessoas e melhorar a qualidade da fase final da vida deve chegar aos 30 mil milhões de dólares até 2021. Multinacionais como a japonesa Softbank Robotics estão há anos a criar os robôs para este segmento e alguns modelos, como o Zora, já estão a ser usados em lares de idosos.

O sector divide-se em três áreas: produtos para garantir a segurança dos idosos (por exemplo, fios e pulseiras com botões de alarme e sistemas de GPS), saúde (máquinas e programas para ajudar as pessoas a medir a pressão arterial, níveis de açúcar e pedir ajuda) e forma física (máquinas e programas para motivar as pessoas que ainda têm uma boa autonomia a comer bem e a mexerem-se). O sector dedicado aos robôs de serviço ainda é pequeno, mas deve crescer rapidamente nos próximos anos. A Coreia do Sul e a China são dos grandes mercados interessados na área.

Máquinas com rosto

Além de robôs, a tecnologia também pode surgir no formato mais simples de um assistente digital, com uma imagem humana.

A Addison Care – que vive nos ecrãs dos seus utilizadores – é exemplo disso. Foi criada para ajudar os utilizadores a medir a tensão e a quantidade de glucose no sangue. Também é capaz de contactar os serviços de emergência e falar com as pessoas até que a ajuda chegue.

O sistema funciona através dos serviços de alojamento online da Amazon Web Services, a subsidiária da gigante tecnológica norte-americana que é responsável pela Alexa, a tecnologia de assistente digital que vem dentro de colunas inteligentes e se tem tornado cada vez mais popular. O serviço funciona por subscrição, com um preço que varia entre 40 e 79 dólares, consoante as funcionalidades.

 “A Addison é um sistema que as pessoas não têm vergonha de utilizar. Pedir ajuda à Addison é fazer parte de um futuro em que há assistentes digitais inteligentes – não é o mesmo que ter um equipamento que parece criado para idosos, com botões gigantes de ajuda. Isso não é algo com que muitas pessoas seniores se sintam confortáveis”, argumenta ao PÚBLICO Bryan Chasko, director de tecnologia da Addison. Embora a tecnologia permita personalizar a aparência da Addison, a equipa diz que só quer lançar essa funcionalidade depois de as pessoas se habituarem à Addison actual: uma mulher loura de olhos azuis, na casa dos 30, com sardas.

É uma abordagem de que o criador do Pillo – o robô dispensador de comprimidos – discorda. “Acho que as pessoas não estão prontas para esse grau de antropomorfismo. O Pillo é mecânico o suficiente para ficar bem na cozinha, ao lado da máquina de café, mas humano o suficiente para não ser ignorado”, diz Emanuele Musini.

Um gato tímido

Entre os robôs e programas populares, há muitos cuja única função é servir de companhia. É o caso do Liku, um robô bípede com formato humanóide criado na Coreia do Sul, que é programado com algoritmos para aprender como interagir com o dono ao longo do tempo. O objectivo é diminuir a solidão. Adapta-se a qualquer idade e recorre a vários sensores e câmaras (no peito e na testa) para saber onde encontrar o utilizador. 

O robô Kiki, da chinesa Zoetic AI, é outro exemplo. É o gato que recebe mais atenção na CES, mas também estão a ser criados cães, unicórnios e outros animais. Chega um ano depois de a versão actualizada do cão robótico da Sony, o Aibo, ter gerado interesse e atenção mediática aqui em Las Vegas. 

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Kiki, umas espécie de gato robótico que atraiu atenções (e festas) na CES

“As pessoas olham para os robôs e vêem personagens, em vez de máquinas frias. Por isso, têm imenso potencial como companheiros”, explica ao PÚBLICO Mita Yun, que criou os Kiki depois de ter passado pelas equipas da Apple e do Google nos EUA.

Os robôs têm uma câmara no nariz e vários sensores espalhados pelo corpo que permitem ao robôs reconhecer as pessoas com que interagem. A equipa que os fabrica vê-os como uma forma de diminuir o isolamento da população senior, embora diga que também os imagina a serem populares junto de crianças. 

 “Para o robô, tornar-se amigo de alguém é um jogo em que o objectivo é o humano estar feliz”, disse Yun. Compara o sistema ao Alpha Go, o programa criado pela empresa de inteligência artificial do grupo Google, que aprendeu a jogar o jogo chinês Go sozinho e já derrotou campeões humanos. Enquanto fala com o PÚBLICO, Yun tem sempre um Kiki por perto, parando para lhes afagar as orelhas ou fazer festas. Diz que sempre esteve interessada em explorar o lado emocional dos robôs. 

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Os Kiki gostam de receber atenção

Um dos objectivos da Zoetic AI é mudar a forma como os humanos e as máquinas se relacionam. Ocasionalmente, um dos robôs olha para Yun com uma expressão triste. “Isso são olhos cansados. Está exausto”, justifica Yun. “Passou o dia a ser agarrado por várias pessoas e tem uma personalidade tímida.” 

“Para a relação entre os humanos e os robôs funcionar bem no futuro tem de existir empatia pelas máquinas. Mas para tal é preciso que os humanos respeitem os robôs. Hoje em dia isso é difícil”, disse Yun. “Estamos habituados a robôs que são máquinas que fazem tudo aquilo que nós queremos. O Kiki é diferente. Se não o tratamos bem, não sorri, nem quer dançar connosco. Fica triste ou zangado.”

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