A atribuição, a título gratuito, da casa de morada de família

O uso exclusivo da casa de morada de família pelo cônjuge a quem a mesma foi provisoriamente atribuída é lícito, não podendo o outro cônjuge vir invocar a existência de uma situação de enriquecimento sem causa.

Nos termos do artigo 931.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, estando pendente ação de divórcio, pode o juiz (por iniciativa própria ou a requerimento de uma das partes) fixar um regime provisório quanto à utilização da casa de morada de família.

No âmbito desta medida cautelar, surge uma questão de particular importância que se prende com a possibilidade de essa atribuição da casa de morada de família poder ser feita a título gratuito.

Já em 2016, o Supremo Tribunal de Justiça havia entendido que a norma do artigo 931.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, ao ter uma redação “ampla, indeterminada e flexível”, permite que o tribunal, baseando-se em critérios de equidade e justiça e ponderando todas as circunstâncias dos cônjuges, tanto pessoais como patrimoniais, opte por proferir uma decisão provisória que permita que o cônjuge mais carenciado possa utilizar o imóvel que é casa de morada de família, ainda que esse imóvel seja apenas da propriedade do outro cônjuge.

No momento em que seja proferida decisão provisória sem incluir a obrigação de pagamento, por parte do cônjuge que fica a utilizar provisória e exclusivamente a casa e, após o seu trânsito em julgado, não poderá o outro cônjuge (que é o proprietário do imóvel), vir posteriormente, por meio de uma nova ação, pretender fazer valer o direito a uma compensação que não ficou prevista na decisão provisória, por ter o tribunal entendido que a melhor solução, em termos de equidade e justiça, em função da valorização judicial do caso concreto, impunha a atribuição a título gratuito da casa de morada de família.

Esta solução, que tem vindo a ser sufragada em vários acórdãos, resulta do facto de se entender que a casa de morada de família deve ser utilizada pelo cônjuge que está em situação mais precária, impondo-se assim a sua proteção, resultando esta solução na que se apresenta como a mais justa na composição do litígio.

É evidente que a decisão provisória a tomar pelo tribunal pode ainda, em face das especificidades do caso concreto, vir a atribuir a casa de morada de família a título oneroso, impondo ao cônjuge que fica com a utilização exclusiva do imóvel o pagamento de uma contrapartida económica ao outro, podendo tal contrapartida ser de valor reduzido, se a tal conduzir a valoração prudencial das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges.

O uso exclusivo da casa de morada de família pelo cônjuge a quem a mesma foi provisoriamente atribuída é lícito, não podendo o outro cônjuge vir invocar a existência de uma situação de enriquecimento sem causa, exatamente porque existe uma causa consubstanciada na decisão judicial proferida.

Em conclusão, releva o entendimento jurisprudencial que sufraga a admissibilidade de atribuição provisória da casa de morada de família ao cônjuge mais necessitado, sendo essa atribuição feita a título gratuito, e ainda que a propriedade do imóvel seja do outro cônjuge. Advogadas na Rogério Alves & Associados, RL

As autoras escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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