Implante na bexiga (por agora em ratos) alivia problemas urinários

Testado com sucesso em ratos, dispositivo que usa a luz poderá ajudar a tratar problemas como a incontinência e a necessidade urgente de urinar.

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O dispositivo em forma de cinto Sang Min Won

E se um dispositivo implantado à volta da bexiga ajudasse a resolver problemas como a incontinência urinária? Foi isso que cientistas dos Estados Unidos e da China conseguiram fazer em experiências com ratos. Na última edição da revista científica Nature, essa equipa anuncia que desenvolveu um pequeno dispositivo que detecta a hiperactividade na bexiga e usa a luz para controlar a vontade de urinar. “Os investigadores acreditam que uma estratégia semelhante poderá funcionar em pessoas”, salienta-se num comunicado sobre o trabalho.

“Há cerca de 30 anos que muitas pessoas com problemas graves de bexiga têm sido tratadas com estimuladores que enviam uma corrente eléctrica para o nervo que controla a bexiga”, lê-se no comunicado. Embora ajude a controlar a incontinência e a bexiga hiperactiva, essa técnica pode perturbar a sinalização normal do nervo noutros órgãos, assim como provocar desconforto e dor. Portanto, agora criou-se um dispositivo que usa luz para modular a actividade de células nervosas geneticamente modificadas na bexiga e tratar assim os problemas associados a este órgão.

Antes de mais, como é constituído este dispositivo? É um sistema constituído por várias partes interligadas: um sensor que monitoriza a bexiga; um par de LED minúsculos que distribuem luz na bexiga para que haja um controlo optogenético (que usa a luz para controlar o comportamento celular nos tecidos vivos); um aparelho sem fios para dar energia ao sistema; e um aparelho que monitoriza os dados.

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Tomografia de um rato fêmea que tem o dispositivo implantado no abdómen Lorri Strong/Aaron D. Mickle

Por agora, este sistema foi testado em ratos fêmea. Durante uma pequena cirurgia, os cientistas implantaram o dispositivo no abdómen e envolveram-no à volta da bexiga como se fosse um cinto, que se vai contrair e expandir como a bexiga. Depois, injectaram na bexiga uma proteína (uma opsina, que é inibitória e activada pela luz). Essa proteína é transportada por um vírus que liga as células nervosas na bexiga e faz com que sejam sensíveis a sinais luminosos. Desta forma, os cientistas podem usar a optogenética.

Prosseguindo na experiência, através de um dispositivo externo e comunicação via Bluetooth, conseguiu-se ter acesso à informação em tempo real e detectar (com a ajuda de um algoritmo) se a bexiga estava cheia, vazia e quando se esvaziava frequentemente.

“Quando a bexiga se esvazia frequentemente, o dispositivo externo envia um sinal que activa os micro-LED no dispositivo que está na bexiga”, explica Robert Gereau, da Escola de Medicina da Universidade de Washington (Estados Unidos) e um dos autores do artigo. “A luz dos LED activa a tal proteína nos neurónios sensoriais estimulando assim a bexiga, o que causa a inibição dos sinais nervosos. Como resultado, a informação sensorial da bexiga nunca chega ao cérebro.”

Feitas em mais de uma dezena de animais, as experiências com este dispositivo aliviaram a frequência de urinar, refere Robert Gereau. Para o cientista, uma das maiores vantagens deste dispositivo é a monitorização da actividade da bexiga em tempo real durante vários dias sem ser preciso usar (por exemplo) cateteres. “Como resultado, os animais estão completamente livres no seu ambiente normal. Ao monitorizar a bexiga durante vários dias, o sistema pode determinar quando um aumento patológico do esvaziamento do órgão ocorre. O sistema detecta esta patologia e envia um sinal de correcção para normalizar a actividade da bexiga”, descreve o cientista.

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Rato fêmea com o dispositivo activado, como se pode observar pela luz no abdómen Aaron D. Mickle

Para quando nos humanos?

Robert Gereau espera que a passagem deste dispositivo para humanos não demore muito tempo: “A nível tecnológico, previmos que um protótipo razoável poderá estar disponível dentro de um par de anos.” Esses aparelhos terão de ser maiores do que os usados nos ratos, a luz não será detectada como acontece nos roedores (afinal, a sua parede abdominal é muito mais fina) e poderão ser implantados através de cateteres.

Antes de isto ser possível, os cientistas querem testar dispositivos semelhantes em animais maiores. E Robert Gereau destaca que ainda há outras barreiras a ultrapassar: “O grande obstáculo para aplicar esta estratégia específica em humanos será o desenvolvimento e ensaios seguros das terapias genéticas que usam vectores [vírus] e que é necessária para activar a opsina inibitória.”

Num comentário também na revista Nature, Ellen Roche (do Instituto de Tecnologia do Massachusetts, nos Estados Unidos, e que não fez parte deste trabalho) refere que esta estratégica terapêutica pode ser usada para tratar outras doenças. “O trabalho da equipa deverá ter implicações maiores nos esforços para aliviar a disfunção de órgãos e para modular a dor. Contudo, não é possível determinar se a dor causada pela infecção e inflamação na bexiga pode ser associada à disfunção da bexiga”, refere, acrescentando que isto deverá ser alvo de futuras investigações. Aponta ainda alguns obstáculos, como o desconhecimento a longo prazo de eventuais consequências negativas.

Acima de tudo, a cientista considera que este estudo forneceu “uma demonstração inovadora de como um sistema completamente fechado pode detectar e controlar as funções dos órgãos”.

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