Em pratos limpos

A solidão às vezes é barulhenta e espalhafatosa. Ao pé dela uma vez por ano é uma brincadeira.

Uma vez por ano janto sozinho em casa. Aproveito sempre para regredir umas décadas e recordar o meu passado cavernícola. Já almocei por cima do lava-louças com uma mão engarfada a comer atum de uma lata e a outra a segurar o detergente para esguichar o garfo.

Também sei almoçar por cima do caixote de lixo para evitar deslocações escusadas. Este ano resolvi levar a preguiça mais longe. Sentei-me a ver televisão com um prato de fatias de peru e um montinho de mostarda. Comi com as mãos para poupar nos utensílios e consegui limpar o prato todo com as últimas fatias. Ficou tal e qual tinha saído do armário.

A preguiça é má conselheira. Muitas vezes dá mais trabalho ser preguiçoso. Uma vez meti na cabeça que só ia comer presunto, enchidos e parmesão. Comprei um presunto, braçadas de enchidos e meio-Parmesão. Convidei o meu amigo Carlos a vir juntar-se ao banquete.

A primeira refeição foi um êxito. Antes da segunda já estávamos enjoados: "não tens outra coisa?" A verdade é que uma coisa como um paio farta imenso. Mesmo com boa vontade o presunto estava mal cortado e nessa altura não havia YouTube para ajudar. Ainda andei com o presunto a reboque durante uns dias, pedindo que o reparassem nos restaurantes onde eu ia beber para esquecer o incómodo da minha própria companhia.

O Parmesão secou todo e causou-me uma alergia que durou anos. Nunca mais gostei de enchidos. Presunto só o melhor cortado por quem sabe.

A solidão às vezes é barulhenta e espalhafatosa. Ao pé dela uma vez por ano é uma brincadeira.

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