Um assalto dos políticos ao poder judicial

O que se procura com esta proposta é alterar o funcionamento e a eficácia do Ministério Público.

Fez muito bem a nova procuradora-geral da República (PGR) em pronunciar-se de forma inequívoca sobre a proposta/hipótese de alteração da composição do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) apresentada pelo PSD com a envergonhada cumplicidade do PS. Afirmou Lucília Gago: "Pretendo deixar claro que qualquer alteração relativa à composição do CSMP que afete o seu atual desenho legal designadamente apontando para uma maioria de membros não magistrados tem associada grave violação do princípio da autonomia e consequentemente radical alteração dos pressupostos que determinaram a aceitação que fiz do cargo de PGR."

Só uma visão confrangedora do que é a liberdade de expressão e o debate público numa sociedade democrática pode considerar que esta tomada de posição seja uma pressão inaceitável sobre os deputados. É certo que, recentemente, ficámos com a ideia que tínhamos, no Parlamento, um grupo de miúdos cábulas apanhados em flagrante, mas não creio que essa seja a imagem correcta dos nossos deputados. E se me parece – para já – excessiva a marcação de uma greve por parte do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, acrescento que, no meu entender, justificam-se mais as greves dos magistrados quando consideram que estão em causa princípios do sistema democrático da justiça do que quando estão em causa questões remuneratórias.

Importa ter em conta que o CSMP, em relação aos procuradores, tem poderes muito mais relevantes do que o Conselho Superior da Magistratura (CSM) em relação aos juízes, já que o Ministério Público é uma carreira hierarquizada, cabendo ao CSMP a escolha dos procuradores-gerais distritais, dos procuradores coordenadores de comarca, do director do DCIAP, dos directores dos DIAPs distritais, isto é, da coluna vertebral do Ministério Público. O que se procura directamente com esta proposta é alterar esta estrutura interna do Ministério Público e com ela o seu funcionamento e eficácia. Porquê? Não é dito.

O extenso documento da autoria do PSD refere no título deste capítulo Reforçar a Administração e Gestão da Justiça. Será essa a intenção? Sinceramente não me parece estarmos perante um qualquer reforço mas sim perante um esforço de alterar o funcionamento do MP, a partir da cúpula, com a entrada de uma maioria de representantes do poder político no CSMP. Marques Mendes, no seu comentário televisivo, foi violento ao colocar no mesmo plano o anterior primeiro-ministro do PS e Rui Rio, mas a verdade é que José Sócrates e muitos dos seus amigos, seguramente, assinariam de cruz esta proposta do líder do PSD.

E, lido este documento com o título Compromisso com a Justiça!, apresentado pelo PSD e destinado a ser subscrito pelos partidos políticos que com o mesmo concordem, constata-se que tem 50 páginas e cerca de metade se ocupam do CSM, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Ficais e do CSMP, dando a entender que as mudanças nestes conselhos e, em particular, no CSMP são o objectivo principal desta proposta e tudo o resto serão questões secundárias.

O PSD (?) pretende também, entre outras coisas, retirar o poder de escolha do Presidente da República na composição do CSM: até agora pode nomear livremente dois vogais, passando a poder nomear três vogais mas que nunca poderão ser oriundos do sistema judiciário e/ou de profissões jurídicas. Ainda no campo das mudanças identificadas como contribuindo para o reforço da justiça é de salientar a proposta de extinção da figura dos procuradores-gerais distritais, o que duvido que venha reforçar a justiça ou a eficácia do MP.

As restantes páginas deste documento apresentam propostas como serem premiados os magistrados que trabalharem mais e melhor, serem estabelecidos prazos para os magistrados despacharem sob pena de verem reflectidos esses atrasos nas suas avaliações ou mesmo em processos disciplinares e, ainda, de contingentação dos processos, isto é, estabelecimento de um número máximo de processos para cada magistrado. Para além destes e outros aspectos pontuais, este é um documento, até pelo momento em que é apresentado, que tem como principal proposta e objectivo o controlo do Ministério Público por parte de quem não está satisfeito com o funcionamento do mesmo. Inequivocamente.

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