Dança: o melhor do ano

Escolhas de Alexandra Balona, Inês Nadais e Luísa Roubaud.

  

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Oleg Degtiarov

10

Vader

De Peeping Tom

VISEU. Teatro Viriato (8/02); GUIMARÃES. Centro Cultural Vila Flor / GUIdance (10/02)

Com humor agridoce, Vader traz para a ribalta um assunto tendencialmente obliterado na sociedade (e nos palcos): o envelhecimento institucionalizado. No esplêndido registo plástico que lhes conhecemos, em que o hiper-realista e o surreal se confundem, o colectivo belga Peeping Tom fala-nos com uma ligeireza só aparente de questões complexas: o declínio do corpo, a dignidade e a culpa, os subterrâneos das relações familiares, as solidões invisíveis, o tempo existencial que inexoravelmente se escoa. L.R.

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Kunsthalle

9

Service No. 5: Dare to Keep Kids off Naturalism

De Adam Linder

PORTO. Museu de Serralves (24/03)

Uma proposta composta por um objecto — o contrato celebrado com o Museu de Serralves, gesto de implicação política — e uma performance duracional declinada em oito “situações” que visam destabilizar a neutralidade do espaço expositivo. As situações surgem como imagens vivas de naturezas estranhas e seres híbridos, entre a performance e as artes visuais, e o espaço do museu é contaminado com teatralidade e ornamentação, através de estratégias de jogo, manipulação e alegoria. A.B.

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Kerstin Behrendt

8

Inoah

De Bruno Beltrão

LISBOA. Culturgest  / Alkantara Festival (4 e 5/06)

Há já década e meia em trajectória fulgurante, o brasileiro Bruno Beltrão confirma que o hip-hop entrou para ficar de vez na dança cénica. Em Inoah, denso e depuradíssimo estudo analítico do virtuosismo das danças urbanas, examina os extremos da vertigem e da suspensão, e continua a surpreender-nos com novas interpelações do universo idiomático e ético do hip-hop a partir dos questionamentos da dança pós-moderna. L.R.

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Steve Gunther

7

Minor Matter

De Ligia Lewis

PORTO. Teatro Municipal — Campo Alegre / Festival DDD — Dias da Dança (29/04)

Em Minor Matter, a caixa negra e despojada do teatro resiste a políticas identitárias e cumplicidades institucionais. Ligia Lewis não encena o desânimo nem a insurgência da negritude, mas mobiliza através do som e do movimento uma densidade coreográfica de afectos e de ansiedade que traz até ao palco uma abundância de gestos e tempos históricos. Combinam-se estruturas de suporte com resistência e agressividade, num espaço que não deseja ser desolador mas celebratório. A.B.

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Bruno Simão

6

Quarta-feira: O Tempo das Cerejas

De Cláudia Dias

LISBOA. Teatro Maria Matos / Alkantara Festival (7 a 9/06); PORTO. Teatro Municipal — Campo Alegre / FIMP (14/10); ALMADA. Teatro Municipal Joaquim Benite  (24/11

Terceira das sete peças com que pretende consumar, até 2022, o fim da sua carreira como bailarina e coreógrafa, Quarta-feira: O Tempo das Cerejas radicaliza o trabalho de Cláudia Dias, robustecendo tanto a clareza da sua mensagem política quanto a expressividade das suas metáforas cénicas. Ano após ano, a sua lenta retirada confirma-se como um dos acontecimentos mais consistentes do presente da dança portuguesa. I.N.

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Alípio Padilha

5

Onde Está o Casaco?

De Ana Jotta, Cyriaque Villemaux e João dos Santos Martins

VILA DO CONDE. Auditório da Santa Casa da Misericórdia / Festival Circular (28 /09); LISBOA. Sociedade Musical Ordem e Progresso / Festival Temps d’Images (17 e 18/11)

Esta montagem dadaísta de breves cenas dançadas e cantadas, combinando o virtuosismo, com o humor e o absurdo, convoca, de um modo hilariante, gestos e movimentos de diversas referências coreográficas e cinematográficas, cruzando-os com excertos musicais em francês, russo e alemão evocativos de marchas, canções de revolução e músicas para crianças. Uma sátira mordaz ao contemporâneo, com um olhar anacrónico que combina a ingenuidade infantil e a incongruência do real. A.B.

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Estelle Hanania

4

Crowd

De Gisèle Vienne

LISBOA. Culturgest (8 e 9/12)

Crowd era para ter sido a Sagração da Primavera de Gisèle Vienne – um revés de produção desviou a peça desse propósito, libertando a marionetista, encenadora e coreógrafa francesa para a exploração das raves berlinenses dos anos 90 enquanto manifestação contemporânea do ritual. Densos e hipnóticos, absolutamente milimétricos, os movimentos dos bailarinos, extraídos de linguagens como as danças urbanas e os GIF animados, induzem o transe não apenas no palco como na plateia. I.N.

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Beniamin Boar

3

7

De Radouan Mriziga

LISBOA. São Luiz Teatro Municipal / Alkantara Festival (25 e 26/05)

Uma soberba demonstração de que compor uma dança é parte de uma experiência cosmológica e espiritual. De que, da composição coreográfica às proezas da arquitectura, o corpo humano é a unidade de medida. De que tais padrões métricos são a essência das artes clássicas, e que chegam a nós desde civilizações milenares. 7 é um engenhoso e belíssimo pequeno tratado artesanal a colocar lado a lado, e à mesma escala, ciência e intelecto, simbólico e transcendente. L.R.

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Paulo Pimenta

2

Margem

De Victor Hugo Pontes (a partir de Jorge Amado)

LISBOA.Centro Cultural de Belém (27/01 a 1/02); Braga. Theatro Circo (19/04); Torres Novas Teatro Virgínia (19/05); PORTO. Teatro Municipal — Campo Alegre / FITEI (16 e 17/06); AVEIRO. Teatro Aveirense (20/10)

Os rebeldes com causa que Jorge Amado canonizou num romance de 1937 não morreram – no Portugal de 2018, Victor Hugo Pontes foi encontrá-los em duas instituições de acolhimento para menores em risco, mas também na energia ainda em bruto, por dilapidar, de um elenco abaixo dos 20 anos, a que os textos de Joana Craveiro vieram acrescentar um peso que vai para lá do existencial. Entre o suor e as lágrimas, entre a batida dos Throes + The Shine e o turbilhão hormonal, Margem não é só adrenalina: também é um manifesto. I.N.

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José Caldeira

1

Romances Inciertos. Un Autre Orlando

De François Chaignaud e Nino Laisné

PORTO. Palácio da Bolsa / Teatro Municipal do Porto (26 e 27/10)

No sumptuoso Salão Árabe do Palácio da Bolsa, acompanhado ao vivo por um quarteto musical de sonoridades mouriscas e hispânicas, o bailarino e coreógrafo francês François Chaignaud apresentou um deslumbrante recital musical e coreográfico em três actos, evocativo das óperas-ballet, e resultado de uma longa pesquisa ancorada na história, na etnografia e nas tradições musicais e coreográficas espanholas. Encarnando sucessivamente três figuras-arquétipo da cultura hispânica — a Doncella Guerreira, o arcanjo São Miguel e a cigana Tarara —, numa assumida evocação das metamorfoses do Orlando de Virginia Woolf (que emerge dos seus sonos prolongados ora em corpo de homem, ora de mulher), Chaignaud evidenciou a intemporalidade e o profundo enraizamento na tradição oral e no imaginário popular das questões de identidade, de género e de alteridade que adquiriram tanta premência na contemporaneidade. No primeiro acto, o bailarino surge como a Doncella Guerreira que abdica do matrimónio em prol da vocação militar, em movimentos vigorosos reminiscentes das danças populares espanholas. No segundo momento, evocando a andrógina figura erótico-religiosa do arcanjo São Miguel, apresenta-se em andas em madeira, entre a ascensão e a queda, num permanente estado de desequilíbrio. Por último, dá corpo à bela e incompreendida cigana Tarara, com altos sapatos negros que acentuam o clamor do flamenco. Na sua ambivalência entre o deslumbramento e a inquietude, a luz e a sombra, esta preciosa obra vive da inatingível conciliação da exuberância e da fragilidade destas figuras e, por arrastamento, das representações culturais de género. A.B.

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