Câmara do Porto ofereceu ajuda à Gato Vadio, associação recusou

Depois do anúncio do encerramento da livraria, executivo de Rui Moreira convidou a Gato Vadio para uma reunião. Associação fala de processo pouco claro e diz que aceitar uma ajuda individual quando há tantos colectivos sem apoio seria “pornografia”. Livraria vai mesmo fechar a 31 de Março

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A livraria Gato Vadio, na Rua do Rosário, encerra no dia 31 de Março André Rodrigues

“A Câmara Municipal não tem uma política séria e activa de protecção dos habitantes, das associações e de outros actores da cidade que querem viver no centro - entre os turistas.” A frase é um dos pontos de uma recente newsletter da Gato Vadio, também publicada no blogue da associação, e deixou boquiaberto o executivo de Rui Moreira. O anúncio do encerramento da livraria da Rua do Rosário chegou à autarquia através de uma notícia do PÚBLICO e motivou a acção. Na câmara do Porto, a convite desta, Rui Moreira, o director do Rivoli, Tiago Guedes, e o programador cultural João Gesta reuniram-se com Isabel Camarinha, da direcção da Associação Saco de Gatos, para lhe propor várias possibilidades de um “projecto conjunto”. Tiago Guedes diz que terá ficado do lado da Gato Vadio avaliar as ideias juntamente com os associados e dar uma resposta à câmara depois. Por isso, ficaram “surpreendidos” quando, sem qualquer comunicação prévia, a Gato Vadio decidiu acusar a câmara de não ter políticas para as associações. “Lamentamos que tenham decidido pelo fecho definitivo.”

A associação confirma a reunião na autarquia e admite até “promessas interessantes”. Mas fala de processo envolto em alguma neblina que não lhes agrada. À Gato Vadio terão sido oferecidos “uns milhares de euros por ano, sem contrapartidas” para lá de parcerias com o Rivoli e as Quintas de Leitura. Quando, na reunião, Isabel Camarinha argumentou não saber ao certo o que a senhoria pretendia fazer com o espaço da livraria, o próprio presidente da câmara ofereceu-se para ligar ao advogado e questioná-lo sobre o assunto. Resposta: não sabia, mas ia apurar.

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Nesse mesmo dia 14 de Novembro, a Associação de Inquilinos do Norte de Portugal, que estava a acompanhar o caso, terá comunicado à Gato Vadio que a carta de renúncia de contrato tinha afinal chegado com atraso, pelo que o contrato havia renovado automaticamente até ao fim de 2019 pelo valor inicial. Quando a associação comunica essa situação à senhoria, o advogado terá contactado Rui Moreira para lhe dizer que estavam dispostos a renovar por três anos e um contrato de 800 euros. A notícia terá chegado à associação precisamente por um telefonema de Rui Moreira. Mas a proposta soava pouco clara à Gato Vadio. Pediram que a autarquia pusesse em papel o compromisso de apoio financeiro, o que terá sido recusado. Pela boca do advogado, descontente com a posição da associação, falava-se de um “terceiro elemento” que “conduziria as coisas de forma diferente”.

Na reunião na autarquia, confirma Tiago Guedes, Rui Moreira ofereceu-se para falar com o advogado da senhoria. “Sabemos que muitas vezes os aumentos de renda são despejos encapotados, mas no caso não parecia”, diz, garantindo que a intervenção do presidente não terá, no entanto, passado disso: “Contratos tripartidos nunca propusemos. O apoio seria sempre em troca de uma parceria connosco.”

João Gesta, programador cultural e responsável pelas Quintas de Leitura, iniciativa mensal de divulgação da poesia, diz-se também surpreso com esta posição da Gato Vadio. A declaração que “ataca violentamente a câmara” parece-lhe “profundamente demagógica e injusta”. Em cima da mesa, conta Tiago Guedes, estiveram propostas como uma presença regular da Gato Vadio nas Quintas de Leitura, a participação em eventos do Rivoli e a instalação de uma banca da livraria no teatro municipal uma vez por mês, numa parceria semelhante à assinada com as livrarias Flâneur e Poetria.

André Rodrigues
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Numa assembleia extraordinária a 9 de Dezembro, foi apresentada aos sócios da Saco de Gatos a proposta. Mas a maioria dos sócios avaliou os termos como “pouco claros” e decidiu não aceitar nem responder à proposta da câmara. A questão de fundo é para César Figueiredo outra: “Por que razão a câmara iria ajudar o Gato e não outra associação qualquer?”, questiona. “Temos ética. Metade do Porto está a ser expulso e seria pornografia aceitar este apoio da câmara quando esta não faz nada para ajudar os outros.” Aceitar o aumento de renda pedido seria “compactuar com uma senhoria sanguessuga”.

Um apoio da autarquia, independentemente dos moldes, poderia não ser aceite pela Gato Vadio. "Muita gente [da associação] não concorda em receber dinheiro da câmara”, argumenta César Figueiredo, dizendo que isso poderia comprometer a “independência” de uma associação que é mantida em regime de voluntariado. Tiago Guedes diz haver no executivo uma sensação de dever cumprido: “Fizemos o que tínhamos de fazer. Não era bom para a cidade perder uma estrutura destas e tentamos evitá-lo.” Sem sucesso. Palavra a César Figueiredo: “Nunca ninguém nos deu dinheiro nem nós o pedimos nem queremos. Preferimos fechar do que entrar num processo destes.” A partir de 31 de Março, o número 281 encerra definitivamente.

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