O SNS está cada vez mais doente

António Costa, que ficou refém do calendário e da criação de expectativas de reposição salarial no Estado, já percebeu que “não é possível tudo para todos”.

António Costa está perante um dilema, talvez o mais rebuscado de toda a legislatura. O primeiro-ministro que foi capaz de negociar uma inédita solução de Governo e quatro orçamentos com BE-PCP e PEV confronta-se com uma imparável acumulação de greves que exigem um compromisso que não vai querer (ou poder) assumir. O Parlamento acusa o Governo do PS de intransigência nas negociações com os sectores em greve da função pública e este dá como exemplo os vários acordos que rubricou nestes quatro anos.

António Costa, que ficou refém do calendário e da criação de expectativas de reposição salarial no Estado, já percebeu que “não é possível tudo para todos”, sobretudo quando tem todos do outro lado da barricada, seja a direita agora apaixonada pela reivindicação sindical, seja a esquerda que insiste na incompatibilidade entre a obsessão do défice e o investimento público. Os 47 pré-avisos de greve em 11 diferentes sectores da administração pública até ao final do ano vão exigir novas artes negociais, particularmente a greve dos enfermeiros, que esta terça-feira anunciaram o seu prolongamento durante o mês de Janeiro, em cinco novos centros hospitalares, e com a duração de 45 dias.

Todas as greves têm custos. E esta é talvez aquela que mais custos tem para todos nós. A “greve cirúrgica”, como lhe chamaram os sindicatos, implicou o cancelamento de cinco mil intervenções, deu origem à inédita angariação de verbas para compensar os enfermeiros em greve e, pior do que tudo, pode ser autofágica e contraproducente. Autofágica por ser autodestrutiva do Serviço Nacional de Saúde, empurrando ainda mais quem tem poder de compra para os serviços privados, e contraproducente porque as consequências para os utentes serão tão ou mais impopulares quanto ela mais se prolonga, como aludiu Marcelo Rebelo de Sousa ao mencionar a reacção da sociedade na sequência das “milhares de pessoas afectadas”.

Há um equilíbrio entre a legítima reclamação de uma classe mal paga e a possibilidade aventada de nem todos os doentes prioritários estarem a ser operados nos serviços mínimos, como alertou o bastonário dos médicos, que pode estar em causa. Marta Temido, a ministra que admitiu que o SNS está subfinanciado e que se doutorou com uma tese dedicada à partilha de funções entre médicos e enfermeiros, tem aqui a sua “intervenção cirúrgica”. Vai correr bem? Os prognósticos são reservados. Mas o SNS arrisca-se a ficar ainda mais doente.

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