Só para aquecer

O frio, como tantas outras coisas discutíveis, pode ser relativo mas quem o sente morder, por muito mimado ou não que seja, é mordido absolutamente.

No Gente Independente de Halldór Laxness conta-se que é preciso saber quantas vezes se deve levantar uma rocha pesada para não morrer de frio.

O esforço físico aquece e, quando não há outro aquecimento, como nas viagens a pé durante uma tempestade de neve, é cansando o corpo que se consegue aquecê-lo, contrariando a tendência natural para conservar energia de maneira a ficar mais para a caminhada. Qual quê.

Gente Independente está cheio de pormenores inesquecíveis como este. Aprende-se, por exemplo após exemplo, que sobreviver não é apenas resistir a um perigo de morte e poder continuar a viver. Sobreviver na Islândia descrita e imaginada por Laxness é o esforço constante para permanecer vivo quando seria muito mais fácil morrer.

Tenho por isso algum pudor em transplantar a história da rocha para os 15 patuscos graus de um Outono português. O frio, como tantas outras coisas discutíveis, pode ser relativo mas quem o sente morder, por muito mimado ou não que seja, é mordido absolutamente.

É por isso que posso falar sobre o frio com um islandês: estamos os dois a falar da mesma coisa, apesar das grossas divergências dos nossos dois termómetros.

Basta-me subir as escadas com um caixote pesado para ficar menos gelado. É pena que se use a expressão "trabalhar para aquecer" de maneira negativa, por não se ser remunerado.

Na verdade trabalhar para aquecer é uma excelente e ecológica ideia:

"Ó mãe, estou com frio".

"Ai é? Despe a camisola e vai com a tua irmã mudar o piano para o sótão".

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