Fisco e planos poupança-reforma: o diabo mora nos detalhes

Hoje, esconder património financeiro pode ser um verdadeiro inferno e o diabo tem cada vez menos detalhes legais onde morar.

Longe vai o tempo em que os Planos Poupança-Reforma (PPR) eram atractivos em rentabilidade e benefícios fiscais. Mas, no turbilhão de leis AML (Anti-Money Laudering), ficou uma fresta aberta para os PPR subscritos por não residentes aos balcões de bancos em Portugal. É que este produto bancário escapou às obrigações de comunicação à Autoridade Tributária (AT) relativamente ao portefólio financeiro de cidadãos e entidades não residentes/não sediadas em Portugal, com salvaguarda legal nesse sentido. Escapou, até ontem!

Mas que lei é esta e que obrigação de comunicação é esta? A legislação em causa é a que impõe a troca automática de informações entre as AT de vários países e encontra-se plenamente em vigor em Portugal (há um ano), em toda a União Europeia, Estados Unidos da América e mais de uma centena de outros países.

Aplicável apenas aos países aderentes, corresponde ao modelo adoptado pela OCDE em 2014, conhecido como CRS (Common Reporting Standard), e integra um pacote alargado de harmonização de políticas legislativas internacionais de combate ao branqueamento de capitais, fraude e evasão fiscal, tendo nascido no rescaldo da crise financeira de 2008.

Este modelo de troca de informações entre os "Fiscos" um pouco por todo o mundo tem vindo a ser aplicado à escala global, com a adesão de cada vez mais países, onde se incluem signatários inesperados como territórios off-shore e Estados com níveis tradicionalmente muito elevados de protecção do sigilo bancário, como Suíça, Hong-Kong, Panamá, Mónaco, China, Macau, etc.

A primeira etapa de comunicações começou em Setembro de 2017 e o sistema opera através do reporte anual de informações relativas ao património financeiro de pessoas e entidades não residentes. Os bancos a operar em cada país aderente comunicam à Autoridade Tributária nacional o montante, tipo e variação da carteira financeira dos seus clientes residentes fiscais noutros países (assim, por exemplo, os bancos a operar em Portugal farão o reporte à AT portuguesa quanto a particulares, empresas ou entidades-veículo residentes/sediados em Espanha, Suíça, EUA, etc. e vice-versa, ou seja, os bancos da Suíça, Mónaco, Macau, etc. reportam ao Fisco do respectivo país o património financeiro dos seus clientes não residentes. Depois, as Autoridades Tributárias destes países trocam entre si a informação referente aos respectivos nacionais/residentes).

As contas bancárias e aplicações financeiras submetidas e excluídas deste reporte (as chamadas "contas financeiras") são matéria regulada por lei em cada ordenamento jurídico nacional.

Em Portugal, até agora, os PPR estavam excluídos da obrigação de comunicação à AT, mas isso mudou e, desde 20 de Outubro de 2018, passaram a integrar o portefólio financeiro a comunicar, mudança que surgiu na sequência de uma recomendação do Fórum Global sobre Transparência e Troca de Informações para efeitos fiscais, no âmbito dos procedimentos de avaliação da implementação do modelo internacional de reporte (o CRS).

Quem conhecia este detalhe, pôde manter o segredo bancário em Portugal sob a forma de PPR subscritos por não residentes, mas esse paraíso acabou e agora as contas poupança-reforma também vão ser reportadas ao Fisco.

Hoje, esconder património financeiro pode ser um verdadeiro inferno e o diabo tem cada vez menos detalhes legais onde morar. Mas também há quem diga que o inferno somos nós...

 

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