Agricultura: o papel de Portugal na diversificação da economia angolana

Apesar do "enorme potencial" agrícola de Angola, o país importa a grande maioria dos seus bens alimentares. João Lourenço fez do desenvolvimento da agricultura uma das suas prioridades para diminuir a dependência do petróleo. O conhecimento que está em Portugal pode ser fundamental para isso.

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Manuel Roberto / Publico

Desde cedo que João Lourenço deixou claro que a agricultura iria ser uma aposta forte da sua Presidência. Nesta quinta-feira, primeiro dia da visita de Estado a Portugal, o Presidente angolano foi ao Instituto Nacional de Investigação Agrícola e Veterinária (INIAV) em Lisboa. A visita não aconteceu por acaso e é mais um passo na tentativa de desenvolver o sector agrícola num país cujo potencial para tal é dos maiores em África.

“Em relação às condições naturais, Angola tem um enorme potencial. É o país mais rico em água da África subsariana. O que é extraordinariamente importante” explica ao PÚBLICO Francisco Gomes da Silva, professor do Instituto Superior de Agronomia (ISA).

No ano passado, João Lourenço foi à província de Huambo na abertura da campanha agrícola 2017/2018, na sua primeira deslocação oficial. Lá deixou a mensagem que quer pôr o país a “produzir a comida que precisa”, instando os angolanos a regressarem aos campos e acabar com a importação de bens alimentares

“Vamos fazer o que está ao nosso alcance para não importar alimentos, porque temos capacidade de produzir comida. Temos de ser nós a produzir a comida que precisamos, bem como exportar e angariar divisas com o excedente”, disse, tendo considerado ainda o desenvolvimento desta área um “imperativo nacional”.

Angola tem 35 milhões de hectares de terras aráveis mas uma superfície cultivada de cinco milhões de hectares. A grande maioria dos bens alimentares consumidos pelos angolanos é importada – algumas estimativas apontam para 90%.

Num plano mais vasto, a agricultura representa 11% do PIB angolano de 124.209 milhões de dólares e providencia emprego, formal e informal, a mais de 30% da população.

A intenção de João Lourenço passa por criar uma alternativa viável ao sector petrolífero, no qual se sustenta praticamente na sua totalidade a economia angolana, ficando dessa forma particularmente vulnerável à variação do preço do crude.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística de Angola (INE), no final de 2017, as exportações de produtos agrícolas representavam já 20% do total, registando um aumento de quase 6000% relativamente ao ano anterior. Em sentido contrário, os combustíveis reduziram o seu peso recuando dos mais de 94% para os 74%

Angola “tem manchas de solo com muita riqueza”, diz ainda Gomes da Silva. “Tem um conjunto de latitudes que experimenta condições climatéricas diversas o que permite uma gama relativamente alargada de produtos”. Por isso, aponta o professor do ISA, “a grande riqueza de Angola está na diversidade”. “Potencial é muitíssimo grande”, reforça.

Mas a exploração agrícola angolana tem “grandes barreiras”. “É extraordinariamente difícil às empresas que se instalam para produzir, ou aos próprios agricultores angolanos, ter acesso aos mercados”, realça Gomes da Silva. “Mercado funciona de forma muito deficiente”.

“Tem também dificuldades no escoamento do produto porque há zonas de difícil acesso”, continua, exemplificando que uma das consequências é a diferença de preços em relação ao resto do mundo. “O milho está no mercado mundial, por exemplo, a 200 dólares e em Angola está a 400 ou 500”.

Perante tais dificuldades, em Maio deste ano, o Banco Mundial anunciou um empréstimo de 130 milhões de dólares a Luanda para apoio ao comércio agrícola.

“Devido aos substanciais recursos hídricos de Angola, terras férteis e localização geográfica, não há dúvida de que a agricultura comercial pode contribuir para a necessária diversificação económica”, disse Olivier Lambert, responsável do Banco Mundial em Angola, quando foi anunciado o empréstimo.

“Uma economia mais diversificada é fundamental para reduzir a vulnerabilidade do país aos choques do sector petrolífero e para criar oportunidades de emprego e na criação de receitas em sistemas agro-alimentares que ajudem a reduzir a pobreza extrema e desnutrição”, explicou ainda o Banco Mundial.

Também a União Europeia vai apoiar os esforços angolanos nesta área, com o contributo de Portugal. Em Setembro, durante a visita do primeiro-ministro António Costa a Angola, o ministro da Agricultura português, Luís Capoulas Santos, anunciou que Portugal vai gerir um programa da UE dirigido à agricultura angolana no valor de 48 milhões de euros.

"Trata-se de um programa que terá um apoio da UE de 60 milhões de euros, em que 48 milhões são destinados à agricultura e que serão centrados em três províncias do Sul, Huíla, Namibe e Cunene. Visa apoiar a agricultura familiar, criar condições de vida e sustentabilidade agrícola e, ao mesmo tempo, concorrer para o combate às alterações climáticas, porque, no território angolano, são as zonas mais expostas”, explicou na altura Capoulas Santos à Agência Lusa.

Portugal pode assim ter um papel importante no desenvolvimento desta área. A visita de Lourenço ao INIAV é sinal disso mesmo.

“O grande contributo que Portugal poderia dar a Angola era na capacidade de transferir o conhecimento gerado pela experiência prolongada nos países dos PALOP. Mapa de solos completo de Angola está em Portugal. Não está disponível a técnicos angolanos”, explica Gomes da Silva.

“A melhor cooperação que Portugal poderia ter com Angola era reunir este espólio acompanhando isto com presença na formação por parte de técnicos portugueses. Espólio acompanhado por meios técnicos”, sugere ainda o professor ouvido pelo PÙBLICO.

Os casos de maior sucesso estabeleceram-se por relação com Portugal e não com os maiores parceiros agrícolas de Angola – que são essencialmente o Brasil e China que apoiam financeiramente”, diz, acrescentando que o “conhecimento em matéria de solos e clima é muito grande e está aqui em Portugal”.

Mas Gomes da Silva avisa que a “agricultura para se desenvolver precisa muito da instalação de indústria” e que “Angola tem uma deficiência enorme neste aspecto”. “A instalação de duas ou três unidades de processamento era muito importante”.

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