Deficiência. "Continuamos cidadãos de segunda. Temos direito a dizer basta"

“Eu não aguento mais. Não quero esperar mais.” Ao fim de três anos institucionalizado num lar de idosos, onde não pertence, Eduardo Jorge, tetraplégico, está cansado. E vai protestar. Entre 1 e 4 de Dezembro, vai passar os dias e as noites deitado numa cama e fechado numa gaiola, em frente à Assembleia da República. A ideia é que Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Vieira da Silva sejam os seus assistentes pessoais durante esse período.

Os dias estão planeados com detalhe. Às 9h, apoiar Eduardo na sua higiene matinal — lavar a cara, tronco, zonas íntimas e desinfectar o dreno da urina. Pelas 13h, lavar-lhe as mãos, servir o almoço (uma sandes de queijo) e deixá-lo de costas. Às 17, hora do lanche, é tempo de virá-lo para o lado esquerdo e servir uma banana. Pouco depois, às 21h, há que deixar Eduardo apoiado sob o lado direito e servir mais uma sandes de queijo para o jantar. À meia-noite, voltá-lo de barriga para baixo e despejar o saco da urina. A rotina repete-se ao longo dos quatro dias. É uma forma dolorosa de protestar, Eduardo sabe-o. Até teve amigos que se recusaram a ajudá-lo por saberem o impacto negativo que tal iniciativa pode ter na sua saúde. Mas não se demove. “Estou desesperado. O que me resta é o meu corpo.”

O que motiva o protesto é o atraso em fazer chegar a vida independente, materializada nos assistentes pessoais, a quem dela beneficiaria — pessoas com grau de incapacidade superior a 60% (nos casos de doença mental, deficiência intelectual ou Perturbação do Espectro do Autismo são elegíveis independentemente do grau de incapacidade) e idade igual ou superior a 16 anos.

O decreto-lei que institui o programa do Modelo de Apoio à Vida Independente (MAVI), um projecto-piloto que permitirá que algumas pessoas com deficiência tenham um assistente pessoal para a realização de tarefas básicas que não conseguiriam executar sozinhas, como alimentação ou higiene, e assim promover a sua independência foi aprovado no ano passado. Porém, “18 meses depois, nada aconteceu”. Numa carta onde explica as suas motivações, Eduardo Jorge nota que “esta prometida vida independente continua a não sair do papel”.