Eurico Brilhante Dias: "Num momento agudo para Portugal foram os chineses que vieram a jogo"

O secretário de Estado da Internacionalização critica os parceiros europeus e deixa elogios à China. Mais: o Estado tenciona mesmo avançar com a emissão de dívida em moeda chinesa.

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Mais investimento de empresas chinesas é bem-vindo, realça Eurico Brilhante Dias, em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença que pode ouvir hoje a partir das 12h. Portugal, explicou, quer "diversificar as fontes, reduzir risco e ter mais actores com títulos de dívida portuguesa" e, por isso, pode estar para breve novidades sobre emissão de títulos da dívida na moeda chinesa de que Mário Centeno fala desde 2016.

Aproximam-se duas visitas muito importantes do ponto de vista político e económico: os presidentes de Angola e da China vêm a Lisboa. Esteve recentemente em Angola, a acompanhar a visita do primeiro-ministro português, numa visita considerada histórica por ambas as partes. Já é possível sentir efeitos dessa visita nas relações económicas entre os dois países?
A visita do primeiro-ministro foi há muito pouco tempo mas foram tomadas decisões importantes para as empresas que produzirão efeitos proximamente. Um foi o alargamento da linha de financiamento com garantia de Estado, que tem expressão no Orçamento do Estado. O segundo foi a assinatura da convenção para evitar a dupla tributação. 

A linha entrará em vigor com o OE?
O OE considera esse alargamento.

Uma das principais questões nessa visita de António Costa era a regularização das dívidas a empresas portuguesas, uma questão em que o Estado português não é parte, mas funciona como mediador. O ministro das Finanças angolano apareceu mesmo no seminário económico para se comprometer com um apuramento da dívida até este mês de Novembro. Esse apuramento e certificação da dívida está feito?
Os sinais são positivos. Há uma grande vontade do governo angolano em prosseguir esse trabalho. Temos que esperar pela visita do Presidente João Lourenço. Falou-se de um conjunto de valores diferentes...

Portugal tinha estimativa de 500 milhões de euros. Angola fazia contas a menos.
Isso pode induzir as pessoas em erro, criar a ideia de que há uma grande divergência. Este é um assunto entre o Estado angolano e as empresas portuguesas. Não é dívida do Estado angolano ao Estado português. Esses contratos foram desenvolvidos na moeda local, o kwanza, que sofreu uma forte desvalorização face ao euro e dólar. Várias facturas foram emitidas ao longo do tempo e ao longo desta desvalorização do kwanza. É preciso saber a que relação euro-kwanza é feito o pagamento: se é em função do valor actual ou do original aquando da emissão das facturas. Temos que ser cautelosos. Há empresas que consideram também que são credoras de juros, outras de trabalhos a mais e juros. 

Como viu as declarações do Presidente angolano em entrevista ao Expresso a dizer que não quer comerciantes, mas investidores portugueses?
É perfeitamente natural. As autoridades nacionais têm sublinhado que gostariam de empreender um movimento de diversificação da economia angolana. Procuram investimento estrangeiro para, tal como nós, desenvolver o seu país.

Nessa mesma entrevista, o Presidente angolano diz que espera que Portugal ajude Angola a repatriar o capital que Luanda reclama. Portugal vai ajudar?
Essa é uma questão essencialmente angolana. Consideramos que os parceiros angolanos são importantes para o nosso país. Portugal tem mais de 5700 exportadores para Angola. Tivemos quase 10 mil exportadores para Angola há cinco anos. É um mercado incontornável para os pequenos e médios exportadores nacionais, não é só para os grandes. 

A Sonangol tenciona diminuir a participação na Galp e no Millenium BCP. Que efeitos pode ter na economia portuguesa
Esse é um assunto accionista e o Estado português não é accionista. Esperemos para ver.

Mas trata-se de uma retracção ao mesmo tempo que Portugal espera mais investidores portugueses em Angola.
Isso tem a ver com as prioridades económicas de Angola e como quer reafectar os seus recursos.

Depois do Presidente de Angola, virá o Presidente chinês, cuja Estado, através de empresas como a Fosun ou a CTG, tem capacidade de decisão em sectores estratégicos da nossa economia como a energia. Sente-se confortável por ser outro Estado a dominar um sector tão vital para os cidadãos e para as empresas?
Temos que fazer um bocadinho de história para perceber por que razão têm posições tão importantes. Quando Portugal assinou o memorando [com a troika] comprometeu-se com as instituições europeias a um conjunto de alienações de participações sociais do Estado. Era importante ter tido fluxo de capitais de outros países europeus mas a verdade é que nesse momento agudo foi um conjunto de empresas chinesas que veio e investiu. É por isso que nem sempre vejo com muito gosto que alguns parceiros [europeus] não entendam este investimento chinês quando naquele momento não vieram a jogo. Portugal é um país aberto, é um país-plataforma de investimento. Ando a vender este país pelo mundo fora falando desta enorme capacidade de sermos plataforma na Europa, para África e para a América Latina. 

Há espaço e vontade para aprofundar relação com a China?
Claro que há espaço. A China é um player global. Do ponto de vista discursivo, os temas que dizem respeito a investimento e comércio em muitos aspectos têm base comuns com coisas que o Governo também diz: a defesa do multilateralismo, do comércio internacional e o investimento estrangeiro. 

Outro negócio que Portugal pode ter em vista com a China é a compra de divida. Essa hipótese chegou a ser falada nos temos do último Governo Sócrates…. Agora seria uma boa alternativa, sobretudo tendo em conta a instabilidade que a Itália pode vir a trazer para a zona euro e em especial para os países do sul da Europa?
Temos hoje a possibilidade e a flexibilidade, que estamos progressivamente a trabalhar, mas isso é um tema que é essencialmente do ministro das Finanças, de emitir dívida que não seja apenas em euro, mas também em renminbi. Isso é uma possibilidade que proximamente poderia ter desenvolvimentos, mas esperaremos os próximos passos.

Pela visita do Presidente chinês?
Esse tema poderá ser aludido mas não é necessariamente um tema para ser tratado neste momento. O Governo português já no passado preparou e trabalhou essa possibilidade e deve ser feito com cautela entre o Ministério das Finanças, o IGCP, e a prazo isso poderá acontecer. Pode ser uma boa fonte de diversificação de clientes da dívida portuguesa. Isso para nós é um elemento interessante. A República Popular da China gostaria de tornar a sua moeda uma moeda de concurso internacional que pudesse também ser reserva de valor. Sabemos o papel central que tem o dólar como moeda e reserva de valor e como o euro sempre se posicionou como alternativa de reserva de valor. É normal e natural que a China também o queira fazer. Na dívida, Portugal tem interesse em diversificar as fontes, reduzir risco e ter mais actores com títulos de dívida portuguesa.

E como vê o mercado europeu, nestes tempos de Brexit e de turbulência italiana?
Sou um europeísta romântico. O Brexit é um mau momento mas tenho que respeitar. Tenho que sublinhar os aspectos positivos como a enorme capacidade dos 27 se mostrarem unidos e actuarem como um bloco. Para Portugal, é melhor haver um acordo do que não haver acordo nenhum. 

Outro mercado muitas vezes considerado estratégico para Portugal é o brasileiro. A eleição de Bolsonaro pode trazer mudanças?
É cedo para dizer se vai haver mudanças ou não. Portugal tem mais de 1600 exportadores para o Brasil...

É um mercado muito fechado, muito proteccionista.
É um mercado do Mercosul. Não me ficaria bem fazer uma declaração peremptória de que é um mercado proteccionista. É um mercado que, pelo menos, podia ser mais aberto! O Brasil é um mercado muito importante para as empresas portuguesas. Estará no top 10 dos países para onde Portugal exporta. O que é que gostávamos? De poder ter um relacionamento com o Brasil que aprofundasse as relações económicas e comerciais e que tivéssemos oportunidade de aumentar as exportações.

Uma das formas de cativar investimento usada pelo anterior governo foram os vistos gold. Este governo introduziu alterações mas estes continuam a ser usados sobretudo para o imobiliário, como mudar a situação?
Desde o início, Portugal captou um pouco mais de 4 mil milhões de euros de investimento. Estão construídos de uma forma que ou existem e são competitivos e temos que garantir que possam ter instrumentos em que sejam plasmados. Se olharmos para modelos semelhantes, o imobiliário está lá sempre. Para a maioria dos investidores, é mais simples comprar uma casa do que ter um processo de construção de uma fábrica ou uma empresa. Não quero dizer que o sistema induz, mas a barreira a ultrapassar com o imobiliário é mais fácil do que ir por outro caminho. Não devemos ver o investimento imobiliário dos vistos gold como um investimento final. Ficaria frustrado se aquelas pessoas compram uma casa e não investem mais nada. Elas têm potencial para fazer outros investimentos no país. É obrigação do Governo acompanhá-las e transformar aqueles 4 mil milhões de euros em algo que gere emprego.

Foi um dos dirigentes mais próximos de António José Seguro, mas acabou por ir para o governo Costa. O PS é um partido pacificado e rendido a António Costa?
Isso do rendido é uma expressão muito derrotada. Pacificado, sem dúvida. O PS tem uma argamassa fundamental que é a forma como olha a sociedade portuguesa. Podemos ter divergências. As primárias foram um momento de divergência muito acentuada e profunda e até excessivamente fulanizada. O dr. António Costa sublinhou várias vezes que não tínhamos divergência programática significativa, mas diferenças de personalidade, de protagonistas.

Concorda com o seu ministro, Augusto Santos Silva, que nos disse que um novo acordo à esquerda tem de implicar compromissos em termos de política internacional e europeia?
O meu caro chefe é um homem muito hábil. O programa do PS é um programa de desenvolvimento do país em que a pertença ao espaço europeu e à NATO é marcante desde a génese deste partido, desde 1973. É normal que programaticamente sublinhemos que as nossas opções estão assentes nestes dois projectos.

Acha que será possível continuar assim sem uma maioria absoluta?
Até agora foi possível e essa pergunta deve ser endossada em primeiro lugar ao PCP e ao BE. O BE teve há pouco tempo a sua convenção e manifestou desejo de ir para o Governo - não conheço nenhum partido que entre nas eleições e diga o nosso objectivo é perder e não ser Governo. A pergunta seguinte deveria ser: quanto à reestruturação da dívida como foi apresentada em 2015? Isso continua a ser um objectivo programático e central ou já tem uma posição mais próxima da do PS? E em relação ao projecto da União Económica Monetária? O euro é a nossa moeda ou Portugal deve em alguma circunstância abandonar o euro? 

Acha que o PS dobrou o PCP e o BE?
Não, não acho. 

Pergunto isto porque o país pode ter um orçamento quase zero com o apoio do PCP e BE.
Nunca vi nenhum deles manifestar um amor ardente pelo défice orçamental. Nunca ouvi nenhum discurso de Jerónimo de Sousa ou de Catarina Martins defendendo entusiasticamente que o país devia ter era défice. É legítimo que qualquer partido queira ser Governo e queira ter o maior número possível de votos.

Acha que o PS devia pedir claramente a maioria absoluta, como defendeu Assis no congresso?
Pedir maioria absoluta soa às vezes um bocadinho de chantagem perante o eleitorado: "Eu preciso de uma maioria absoluta!". As pessoas votam em programas e o PS deve dizer aos portugueses que quer ter mais força para poder implementar aquele que é o seu programa. Na noite eleitoral, veremos que solução é que os portugueses querem. A maioria absoluta é, muitas vezes, associada à ideia de poder absoluto. Não é isso sequer que está em causa. O PS, sem prejuízo do resultado que tiver, terá que continuar a conversar no Parlamento como o PEV, PCP, BE, PAN e também com o PSD e CDS. Agora, é legítimo que ambicionemos que mais portugueses votem PS.

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