A língua de Rio não é o alemão, é o latim

O tempo político é muito curto para se compreender este PSD, mas a dissolução do maior partido de oposição é um problema para o país.

Reserve as quintas-feiras para ler a newsletter de Ana Sá Lopes em que a política vai a despacho.

A vida é demasiado curta para se aprender alemão. A frase magnífica já foi atribuída a Oscar Wilde e Mark Twain, mas parece que o seu autor é um filólogo inglês que viveu entre o século XVII e XIX, Richard Parson. Sendo uma das mais bonitas línguas do mundo, o alemão é extraordinariamente difícil de se compreender fluentemente num razoável espaço de tempo.

A avaliar pelo dia de ontem e pelos últimos nove meses, a vida que sobra a esta legislatura pode ser demasiado curta para compreender o que Rui Rio tem para dizer ao país. Se a coisa já era difícil, atingiu-se ontem um novo patamar: perante perguntas incómodas da imprensa, o presidente do PSD decidiu responder em alemão. Comparado com isto, a famosa cena do bolo-rei de Cavaco Silva, quando se recusou a comentar as sondagens, na passagem de ano 1995-1996 que antecedeu as presidenciais em que foi derrotado, ainda passa por uma cena quase aristocrática.

Os mais optimistas e os amigos do líder social-democrata dirão que Rui Rio está para a política como o alemão para o conjunto das línguas: é muito difícil de compreender, mas é quase perfeito. Exige muito tempo de aprendizagem, mas é um valor seguro. E, nesta narrativa, o eleitorado, depois de se dedicar a um trabalho árduo e exigente e finalmente apreender o que Rui Rio tem para dar ao país, ficará deslumbrado com o poder do génio.

A questão é que Rui Rio está confrontado, com o caso José Silvano, com uma situação muito mais grave do que aquela que levou à demissão do anterior secretário-geral Feliciano Barreiras Duarte. As suspeitas – e as certezas que já existem – sobre a ubiquidade de José Silvano são incompatíveis com o discurso da “ética” que Rio tanto propagou, como escreveu ontem neste espaço Manuel Carvalho. Rui Rio já não tinha discurso, nem políticas alternativas, nem conseguiu fazer um minuto de oposição ao Governo. Mais do que o alemão, a língua que Rio fala é um arremedo de latim, a língua morta. O tempo político é muito curto para se compreender este PSD, mas a dissolução do maior partido da oposição é um problema para o país – afecta os equilíbrios, os “checks and balances” e a famosa frase inscrita na Constituição que é “o regular funcionamento das instituições”.

Sugerir correcção
Ler 20 comentários