“Quando nos vão dar meios?”, interrogam polícias das brigadas de defesa animal

Quando as autoridades retiram um bicho ao dono para o colocar num canil sobrelotado estão a prolongar maus tratos, avisa magistrada.

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O debate sobre a protecção jurídica dos animais já estava quase a terminar quando um dos muitos polícias presentes no auditório do comando metropolitano de Lisboa da PSP se levantou. “Não temos veículos para trabalhar. Não temos meios. Gosto muito de cães e gatos, mas há outras prioridades – como as pessoas e a economia do país. Quando é que o comando da PSP vai arranjar soluções para podermos fazer o que é pretendido de nós?”, lançou o agente de Loures.

Numa polícia carente de recursos materiais foi criado, em 2015, um projecto de defesa animal, suscitado pelo elevado número de denúncias de maus tratos após o fenómeno ter sido criminalizado um ano antes. Em 2017, o comando metropolitano de Lisboa passou a ter equipas especializadas de agentes em cada uma das suas divisões. São polícias que acumulam outras áreas de serviço com a prevenção e investigação dos delitos contra os animais, em especial os domésticos, que são aqueles que a lei mais protege dos maus tratos e do abandono. Muitos deles estiveram esta quarta-feira numa acção de formação sobre estas questões promovida pela Provedoria dos Animais de Lisboa, em parceria com outras entidades. 

À intervenção do agente de Loures seguiu-se uma chuva de palmas. Dos colegas, mas também do resto da assistência. Ao subcomissário responsável pelo projecto de defesa animal, Bruno Branco, não restou senão concordar com o subordinado: “Partilho de algumas das coisas que disse, mas a questão tem de ser colocada à cadeia de comando. E muitas das questões que colocou já lhe foram expostas.”

Um dos rostos do sucesso no combate aos crimes contra os animais é o do tenente-coronel da GNR de Setúbal Silva Vieira. Vira-se para os colegas da polícia e incentiva-os a seguir em frente, mesmo com falta de meios. Admite não ser fácil: “Vocês nalguns sítios ainda não têm um simples leitor de chips” que permita identificar os bichos que se perderam ou foram abandonados.

Graças à acção destes guardas e de duas procuradoras do Tribunal de Setúbal, muitos animais da região têm sido salvos de uma morte certa ou de uma vida de maus tratos. Há casos em que têm várias dezenas de uma vez, quando deparam com os chamados criadeiros, criadores clandestinos que não respeitam as regras mínimas de bem-estar nem de higiene para fazerem negócio com a venda dos animais. 

Uma das procuradoras, Eunice Marcelino, já conhece de cor e salteado o discurso dos donos que caem nas malhas da justiça: juram todos que gostam muito de bichos, mas que lhes falta o dinheiro para os levar ao veterinário. Mesmo que os tenham comprado por uma ou duas centenas de euros. Na semana passada um juiz de Setúbal condenou a pena efectiva de cadeia, pela primeira vez em Portugal, um homem responsável pela morte da sua cadela e dos filhotes. O magistrado sublinhou a crueldade com que agiu o arguido, que esventrou o animal a sangue frio para retirar as crias.

Mas não são só os polícias a queixarem-se de falta de meios. Apontando as fragilidades de alguns aspectos da lei que criminaliza os maus tratos – crítica com a qual praticamente todos os juristas desta área concordam –, a procuradora que coordena a comarca de Lisboa Oeste, Luisa Sobral, traçou um cenário que dá que pensar. Quando as autoridades retiram um animal ao dono, vêem-se obrigadas a dar-lhe uma nova morada, ainda que provisória. Qual? Com frequência um canil que tem dez vezes mais bichos do que a sua capacidade. É o sistema oficial a prolongar os maus tratos criminosos.

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