Ricardo tentou e falhou. Agora escolhe as startups da Web Summit

A selecção das empresas da maior feira tecnológica da Europa é feita em Lisboa e em Dublin. São 12 pessoas, lideradas por Ricardo Lima, que entrevistam milhares de empreendedores todos os anos.

Foto
Miguel Manso

Primeiro, Ricardo Lima tentou ser engenheiro informático. Mas falhou. “Não era nada daquilo que eu queria.” Depois tentou ser piloto de aviões. E falhou outra vez. “Frequentei algumas aulas mas percebi que não tinha condições para continuar, tendo em conta o custo do curso.” Mas Ricardo fez um loop aos falhanços — e agora é responsável pelas startups na Web Summit.

“A minha vida tem sido tentativa e erro”, diz ele. A vida dele é assim, imita a única frase de Samuel Beckett que todo o fundador de startup conhece, a frase que é o mantra moderno das tecnológicas: “Tentei sempre e sempre falhei. Não importa nada. Voltarei a tentar e voltarei a falhar. E falharei melhor do que no falhanço anterior.”

Samuel Beckett era irlandês. Tal como Paddy Cosgrave, fundador da Web Summit. É apenas uma coincidência. Porque se há outro país no coração de Ricardo Lima, 30 anos, esse deve ser Espanha. Foi lá que viveu até aos 11 anos, o castelhano foi o primeiro idioma que aprendeu, nos tempos em que os pais, de origem cabo-verdiana, eram emigrantes. “Aprendi a falar espanhol antes de saber português. Mas não mantive nenhuma relação estreita com Espanha”, anota.

Quando chegou a Portugal, foi para o quinto ano, numa escola em Queijas (Oeiras). Seguiu para o secundário na escola Stuart Carvalhais, em Massamá (Sintra), onde ainda hoje mora. Porém, a função que exerce (head of startups) na organização de Cosgrave faz dele líder de uma equipa de 12 pessoas (sete em Lisboa e cinco em Dublin) que está constantemente em contacto com o estrangeiro.

“Aquilo que fazemos é entrevistar milhares e milhares de fundadores de startups de todo o mundo e de qualquer sector que queiram estar presentes nas nossas conferências”, explica. Cada entrevista dura em média 20 minutos e é ela que determinará “se há um bom fit” entre aquilo que entendem que deve ser “o perfil de uma startup e as conferências”. Este trabalho não se resume à “curadoria”, como ele lhe chama, para a Web Summit, "alargando-se também para as outras conferências que a empresa organiza no Canadá [Collision], em Hong Kong [Rise Conference] e em Dublin [Money Conf].

Foi há dois anos que Ricardo se cruzou com a Web Summit. Na primeira edição em Portugal, em 2016, foi voluntário e representava a GuestU, uma startup portuguesa para a qual tinha sido contratado como membro da equipa de vendas para o mercado espanhol. Mas em Março de 2017, voltou a mudar de vida. Enviou o currículo para o escritório que Paddy Cosgrave iria abrir na capital portuguesa e foi seleccionado.

Foto
Ricardo Lima tem 30 anos e desempenha a função de head of startups na Web Summit Miguel Manso

O primeiro encontro com a tecnologia foi em tenra idade, através dos jogos de computador: Counter Strike, Stronghold e Age of Empires foram paixões de infância. Era um tempo em que a Internet era lenta e jogar em rede era sinónimo de arrastar torres de computador e ecrãs CRT para a garagem de um amigo.

Hoje em dia, “joga” numa equipa que se pode considerar pequena para a responsabilidade que tem. “A entrevista com o fundador é o passo inicial. Depois pedimos uma apresentação da empresa e com base nisso fazemos um processo de selecção que é semanal, escolhendo as startups que consideramos mais interessantes”, descreve. O passo seguinte é o convite à participação — um “convite” que dá direito a três vagas pelo preço de um bilhete na Web Summit.

O segundo encontro de Ricardo com a tecnologia, como estudante universitário de engenharia informática no ISCTE (Lisboa), foi um desgosto de amor. Dividido entre essa opção e o desporto — era “razoavelmente bom no futebol”, o xadrez tinha sido importante, fora hoquista federado e o ténis também ajudava a controlar a energia de um rapaz que, segundo a madrinha, “era um bocadinho hiperactivo — Ricardo escolheu os computadores. Correu mal.

“No segundo ano, conheci a AIESEC e aquilo transformou a minha vida”, recorda. Às tantas, dedicou-se mais ao trabalho da AIESEC — que coordena estágios internacionais, profissionais e de voluntariado — do que propriamente ao curso. "Aproximava-me mais daquela pessoa que eu queria ser”, justifica. Ao fim de quatro anos estava ainda no segundo ano.

Influenciado por um primo, que era uma referência da juventude dele e adorava aviões, inscreveu-se na Lusófona, em Ciências Aeronáuticas. Mas os custos com este curso privado eram incomportáveis para a família.

Foi à terceira, com a Web Summit, que a tecnologia lhe permitiu fazer aquilo que mais gosta. A escolha das startups é tudo menos aleatória. Ser referenciado por alguém é a melhor maneira de aparecer no radar da equipa de Ricardo Lima.

Além disso, a empresa faz prospecção, online e noutros eventos, e depois há uma lista de critérios que presidem à escolha: é obrigatório que a empresa tenha um produto, o que exclui à partida startups de consultoria. “Não tem de ser um produto físico, pode ser uma app”, explica Ricardo, acrescentando que esse produto “tem de estar pelo menos na fase de prototipagem”.

Depois disso, olham para número de utilizadores/clientes, para a equipa (quantos empregos criou), qual o nível de investimento obtido e quais os planos para o futuro, “para perceber se a presença pode de alguma forma ajudar”. Feita a selecção, está feita a lista dos participantes: 70% de startups “alfa” (três meses de vida); 20% de startups “beta” (já têm escritório e algum crescimento e procuram uma série A); e 10% de startupsgrowth” — aquelas que já receberam três ou quatro milhões de investimento e que precisam de ganhar escala.

Sugerir correcção
Comentar