Lar da Criança de Portimão não pode ser classificado como monumento de interesse público

Durante duas décadas, um edifício exemplar da Moderna Arquitectura sofreu obras clandestinas. Por fim, a câmara legalizou e a segurança social financiou.

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O Lar da Criança é um projecto de Vicente de Castro

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (TAF) travou o processo de classificação de “monumento de interesse público” referente ao Lar da Criança de Portimão, considerado uma das obras representativas da Arquitectura Moderna do Movimento Internacional. A sentença judicial que suspendeu o despacho proferido pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) entendeu que a classificação do edifício “conflituaria” com o funcionamento do estabelecimento frequentado por 400 crianças, podendo mesmo obrigar "a certa altura” a uma paragem da instituição

A decisão, tomada pelo TAF no passado dia 10 de Setembro, foi objecto de recurso por parte da DGPC para o Tribunal Central Administrativo do Sul. A entidade cultural alega que os procedimentos a desenvolver não colocam em causa a actividade da instituição, com as valências de berçário, creche, jardim-de-infância, pré-escolar e Actividades de Tempos Livres (ATL). A questão de fundo, no entender da DGPC, não reside no indiscutível “interesse público” da manutenção do lar mas na protecção de um bem patrimonial que deve ser “valorizado na perspectiva de fruição cultural que o torne elemento vivificador da identidade cultural comum”.

Ao longo de duas décadas, de forma ilegal, o Lar da Criança (também conhecido por Dispensário Materno-Infantil) sofreu várias adulterações ao projecto original, da autoria de Vicente de Castro. No domínio da chamada Arquitectura Moderna do Movimento Internacional, destacam-se na região três nomes: Manuel Laginha (1919-1985) associado a Loulé; Gomes da Costa (1921-2016) a Faro, e Vicente de Castro (1920-2016) a Portimão e Lagos. As novas valências que a instituição foi recebendo, serviram de pretexto para justificar as obras clandestinas, que passaram por ampliações e adaptações do emblemático edifício, situado na Avenida Miguel Bombarda. Por fim, a câmara suportada por pareceres de outras entidades oficiais, acabaria por aprovar, a seis de Fevereiro deste ano, o projecto, tornando as obras legais. No ano anterior, o Instituto de Segurança Social apoiou o funcionamento do estabelecimento — instituição particular de solidariedade social (IPSS), comparticipando com uma verba superior a 733 mil euros.

A Ordem dos Arquitectos escreveu, antes da emissão do alvará, à presidente da Câmara, Isilda Gomes, recordando que se trata de uma obra de “valor inestimável, devendo ser preservada para a posteridade e oferecida às gerações vindouras nas suas premissas originais”. Este edifício, construído entre 1952 e 1962, foi proposto para ser classificado como “monumento de interesse público” pela Docomomo International (comité internacional que trata da documentação e conservação dos edifícios, bairros e paisagens urbanas erguidas no quadro da arquitectura e do urbanismo do Movimento Moderno). O despacho da abertura da abertura de procedimento de classifição foi efectuado no passado dia 14 de Fevereiro mas o TAF de Loulé acabaria por dar razão a uma providência cautelar interposta pela direcção do lar, alegando que “interesse das crianças e dos seus pais em continuarem a frequentar o Lar da Criança” sobrepunha-se à defesa de um projecto considerado vanguardista.

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