Ligam televisores e jogam bingo: os robôs que fazem companhia aos mais velhos

O envelhecimento populacional coloca desafios económicos e sociais à Europa. Como cuidar de uma população cada vez mais idosa? A solução pode estar nos robôs.

Fotogaleria
Os robôs são pensados para responder às necessidades das gerações mais velhas, mas também podem ser utilizados como ferramentas educacionais dos mais novos Carolina Pescada
Fotogaleria
Carolina Pescada
Fotogaleria
Carolina Pescada

A União Europeia está a envelhecer. A conjugação da quebra da natalidade e do aumento da esperança média de vida contribuem para o que é, actualmente, um dos maiores desafios do continente. Garantir um envelhecimento saudável e acompanhado é uma das preocupações do Velho Continente e isso também se vê nas propostas apresentadas nesta sexta edição da Maker Faire, uma feira internacional de inovação que o PÚBLICO está a acompanhar em Roma

Neste evento, multiplicam-se os protótipos de sistemas de inteligência artificial que avisam quando tomar medicação, que alertam familiares em caso de necessidade de emergência e que são capazes de interpretar emoções humanas. Ter um assistente pessoal na forma de robô não é propriamente uma novidade, mas apresenta-se como uma realidade cada vez menos distante, ainda que - para já - afastada da produção em massa.

Os protótipos vão desde pulseiras para idosos a robôs inteligentes e de aparência humana. Os projectos apresentados são capazes de responder não só às interacções sociais, como também se propõem a operar em níveis mais complexos, procurando criar estímulos cognitivos que atrasem os efeitos de doenças como a Alzheimer, por exemplo.

É esse o caso dos robôs desenvolvidos pelo Departamento de Engenharia Eléctrica e Tecnologia de Informação da Universidade de Nápoles.

Ao contrário de outros assistentes virtuais como a Siri, da Apple, ou a Alexa, da Amazon, estes robôs “dispensam as frases estáticas”, explica uma das investigadoras que está a trabalhar nestes assistentes tecnológicos.

Os robôs reagem à linguagem não-verbal expressa através de expressões faciais. “Conseguimos treinar isso através de algoritmos. Podemos mostrar aos robôs centenas de imagens de pessoas a sorrir ou de pessoas a chorar e determinar uma reacção para cada uma delas”, explica Martina Rocco.

Foto
Os robôs lêem as emoções humanas com base nas expressões faciais Carolina Pescada

Além das competências mais sociais, estes robôs podem responder rapidamente a uma eventual emergência de saúde da pessoa a quem prestam assistência, fazendo uma chamada para os serviços de assistência se lhes for pedida ajuda.

O aspecto realista e humanóide dos robôs é uma das preocupações dos seus criadores. “Acredito que é importante garantir que existe um balanço entre o universo robótico e o que nos distingue exteriormente enquanto humanos. Devem ter uma aparência humanóide, mas a distância entre isso e um aspecto humano deve ser clara”, explica a especialista em teoria da mente.

“Robôs não são a solução para a solidão”

“Não acredito que a robótica seja a solução para a solidão dos idosos. Não podemos simplesmente ter alguém a dizer ‘a minha mãe é idosa e vive sozinha, vou-lhe comprar um robô’. A interacção humana deve ser a escolha prioritária. Não vejo os robôs como substitutos dos humanos, mas como complementos”, refere Martina Rocco. No entanto, os robôs podem ajudar.

A equipa de investigadores italiana está a trabalhar com uma universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, na criação de uma competência que permita ao robô funcionar como um psicólogo doméstico. “A ideia é que o robô possa prestar assistência às pessoas no final de um dia de trabalho, quando chegam a casa, e assim lidarem com as suas frustrações e exteriorizarem e compreenderem os seus problemas. A ideia é ajudar as pessoas a clarificar e interpretar os seus pensamentos, não numa interacção cognitiva, mas emocional.”

É também o caso do Stevie.  Criado no Laboratório de Inovação Robótica da Universidade de Trinity, em Dublin, este robô é capaz de ler expressões faciais e retribuí-las através do ecrã. Alternando a posição das sobrancelhas e com um sorriso feliz e triste, o Stevie vai interagindo com os humanos. “Acreditamos que a tecnologia como o Stevie pode ter um impacto gigante nas gerações mais velhas, que vivem isoladas, onde o número de assistentes não é suficiente”, explica director do laboratório irlandês, Conor L. McGinn. “Mas também vemos potencialidade em gerações mais novas, em áreas como a educação. As crianças adoram este robô. Este tipo de tecnologia é incrível porque nos permite adaptar a muitos objectivos.”

De ligar a televisão até um jogo de bingo

O Stevie está a ser programado para tarefas mais simples e mecânicas (como ligar aparelhos electrónicos domésticos), mas também para jogar o Bingo ou até para um desafio de karaoke. “Estamos a trabalhar com lares de idosos no Reino Unido. Quando desenvolvemos competências para os robôs não nos isolamos sozinhos no laboratório. Trabalhamos com prestadores de serviços, auxiliares e hospitais. Desenvolvemos competências que sabemos que são procuradas”, justifica.

“Grande parte da geração mais velha vive aborrecida e passa o dia a ver televisão. O robô pode ser uma alternativa.” Para além da companhia, o robô pode contribuir para os estímulos cognitivos que melhoram a eficácia de tratamentos de demência e Alzheimer. “Se estiverem a estimular o cérebro, os resultados do tratamento podem ser melhores.”

Um dos exemplos é a exibição de álbuns de fotografias do doente ou da sua família através dos ecrãs do robô para pessoas com Alzheimer, procurando estimular as suas memórias. “Estamos a explorar o trabalho mecânico que é feito pelos auxiliares humanos, com excesso de carga de trabalho e sem capacidade de resposta, aliviando as suas tarefas”, acrescenta o investigador irlandês. "Não queremos autonomizar todo o trabalho de um enfermeiro ou auxiliar, mas em alguns casos faz sentido.”

Conor L. McGinn sublinha que o aspecto do robô deve ser desenvolvido com precaução. “Queremos ter a certeza que as pessoas quando vêem os robôs percebam o que eles são capazes ou não de fazer e que isso faça com que as pessoas não estabeleçam laços inapropriados com os robôs. Não as queremos confundir.”

O objectivo é preparar o Stevie para o mercado já no início do próximo ano. “Assim que provarmos que funciona, tentaremos produzir mais.”

A ajuda num pulso

Massimo Panceri já tinha uma empresa de segurança doméstica, mas a preocupação com o tempo que o pai passa sozinho levou-o a desenvolver uma solução mais eficaz na resposta às gerações mais velhas. Trata-se de uma pulseira que envia um sinal de alerta aos familiares em caso de emergência, por chamada e por email.

Foto
O alerta é dado quando o sensor é levemente pressionado durante três segundos contínuos Carolina Pescada

O sinal de ajuda é emitido quando o botão da pulseira é pressionado durante mais de três segundos. “Não é necessário carregar com muita força no sensor, basta um toque suave. É por isso que colocámos um limite mínimo de três segundos de contacto, para despistar eventuais toques involuntários”, explica Panceri. A HELFY" (HELp For You) envia então um alerta para as pessoas que constam na lista de contacto de emergência. Na mensagem segue um link com a transmissão em tempo real das imagens de videovigilância. Desta forma, é possível perceber imediatamente o que está a acontecer.

“A ideia é muito simples, mas nos países que têm uma população cada vez mais envelhecida, como Itália, pode ser uma solução muito útil e eficaz”, justifica. A pulseira é resistente à água uma vez que “é no banho que ocorrem a maioria dos acidentes domésticos” e a sua bateria dura cerca de um ano. “Quisemos desenvolver um produto cuja bateria durasse no mínimo um ano, para diminuir ao máximo a necessidade de recargas, uma vez que esta não é uma tarefa simples para a população mais velha”, explica o italiano.

O PÚBLICO viajou a convite do Ministério da Economia de Itália e da Câmara de Comércio de Roma

Sugerir correcção
Ler 2 comentários