Ligam televisores e jogam bingo: os robôs que fazem companhia aos mais velhos
O envelhecimento populacional coloca desafios económicos e sociais à Europa. Como cuidar de uma população cada vez mais idosa? A solução pode estar nos robôs.
A União Europeia está a envelhecer. A conjugação da quebra da natalidade e do aumento da esperança média de vida contribuem para o que é, actualmente, um dos maiores desafios do continente. Garantir um envelhecimento saudável e acompanhado é uma das preocupações do Velho Continente e isso também se vê nas propostas apresentadas nesta sexta edição da Maker Faire, uma feira internacional de inovação que o PÚBLICO está a acompanhar em Roma.
Neste evento, multiplicam-se os protótipos de sistemas de inteligência artificial que avisam quando tomar medicação, que alertam familiares em caso de necessidade de emergência e que são capazes de interpretar emoções humanas. Ter um assistente pessoal na forma de robô não é propriamente uma novidade, mas apresenta-se como uma realidade cada vez menos distante, ainda que - para já - afastada da produção em massa.
Os protótipos vão desde pulseiras para idosos a robôs inteligentes e de aparência humana. Os projectos apresentados são capazes de responder não só às interacções sociais, como também se propõem a operar em níveis mais complexos, procurando criar estímulos cognitivos que atrasem os efeitos de doenças como a Alzheimer, por exemplo.
É esse o caso dos robôs desenvolvidos pelo Departamento de Engenharia Eléctrica e Tecnologia de Informação da Universidade de Nápoles.
Ao contrário de outros assistentes virtuais como a Siri, da Apple, ou a Alexa, da Amazon, estes robôs “dispensam as frases estáticas”, explica uma das investigadoras que está a trabalhar nestes assistentes tecnológicos.
Os robôs reagem à linguagem não-verbal expressa através de expressões faciais. “Conseguimos treinar isso através de algoritmos. Podemos mostrar aos robôs centenas de imagens de pessoas a sorrir ou de pessoas a chorar e determinar uma reacção para cada uma delas”, explica Martina Rocco.
Além das competências mais sociais, estes robôs podem responder rapidamente a uma eventual emergência de saúde da pessoa a quem prestam assistência, fazendo uma chamada para os serviços de assistência se lhes for pedida ajuda.
O aspecto realista e humanóide dos robôs é uma das preocupações dos seus criadores. “Acredito que é importante garantir que existe um balanço entre o universo robótico e o que nos distingue exteriormente enquanto humanos. Devem ter uma aparência humanóide, mas a distância entre isso e um aspecto humano deve ser clara”, explica a especialista em teoria da mente.
“Robôs não são a solução para a solidão”
“Não acredito que a robótica seja a solução para a solidão dos idosos. Não podemos simplesmente ter alguém a dizer ‘a minha mãe é idosa e vive sozinha, vou-lhe comprar um robô’. A interacção humana deve ser a escolha prioritária. Não vejo os robôs como substitutos dos humanos, mas como complementos”, refere Martina Rocco. No entanto, os robôs podem ajudar.
A equipa de investigadores italiana está a trabalhar com uma universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, na criação de uma competência que permita ao robô funcionar como um psicólogo doméstico. “A ideia é que o robô possa prestar assistência às pessoas no final de um dia de trabalho, quando chegam a casa, e assim lidarem com as suas frustrações e exteriorizarem e compreenderem os seus problemas. A ideia é ajudar as pessoas a clarificar e interpretar os seus pensamentos, não numa interacção cognitiva, mas emocional.”
É também o caso do Stevie. Criado no Laboratório de Inovação Robótica da Universidade de Trinity, em Dublin, este robô é capaz de ler expressões faciais e retribuí-las através do ecrã. Alternando a posição das sobrancelhas e com um sorriso feliz e triste, o Stevie vai interagindo com os humanos. “Acreditamos que a tecnologia como o Stevie pode ter um impacto gigante nas gerações mais velhas, que vivem isoladas, onde o número de assistentes não é suficiente”, explica director do laboratório irlandês, Conor L. McGinn. “Mas também vemos potencialidade em gerações mais novas, em áreas como a educação. As crianças adoram este robô. Este tipo de tecnologia é incrível porque nos permite adaptar a muitos objectivos.”
De ligar a televisão até um jogo de bingo
O Stevie está a ser programado para tarefas mais simples e mecânicas (como ligar aparelhos electrónicos domésticos), mas também para jogar o Bingo ou até para um desafio de karaoke. “Estamos a trabalhar com lares de idosos no Reino Unido. Quando desenvolvemos competências para os robôs não nos isolamos sozinhos no laboratório. Trabalhamos com prestadores de serviços, auxiliares e hospitais. Desenvolvemos competências que sabemos que são procuradas”, justifica.
“Grande parte da geração mais velha vive aborrecida e passa o dia a ver televisão. O robô pode ser uma alternativa.” Para além da companhia, o robô pode contribuir para os estímulos cognitivos que melhoram a eficácia de tratamentos de demência e Alzheimer. “Se estiverem a estimular o cérebro, os resultados do tratamento podem ser melhores.”
Um dos exemplos é a exibição de álbuns de fotografias do doente ou da sua família através dos ecrãs do robô para pessoas com Alzheimer, procurando estimular as suas memórias. “Estamos a explorar o trabalho mecânico que é feito pelos auxiliares humanos, com excesso de carga de trabalho e sem capacidade de resposta, aliviando as suas tarefas”, acrescenta o investigador irlandês. "Não queremos autonomizar todo o trabalho de um enfermeiro ou auxiliar, mas em alguns casos faz sentido.”
Conor L. McGinn sublinha que o aspecto do robô deve ser desenvolvido com precaução. “Queremos ter a certeza que as pessoas quando vêem os robôs percebam o que eles são capazes ou não de fazer e que isso faça com que as pessoas não estabeleçam laços inapropriados com os robôs. Não as queremos confundir.”
O objectivo é preparar o Stevie para o mercado já no início do próximo ano. “Assim que provarmos que funciona, tentaremos produzir mais.”
A ajuda num pulso
Massimo Panceri já tinha uma empresa de segurança doméstica, mas a preocupação com o tempo que o pai passa sozinho levou-o a desenvolver uma solução mais eficaz na resposta às gerações mais velhas. Trata-se de uma pulseira que envia um sinal de alerta aos familiares em caso de emergência, por chamada e por email.
O sinal de ajuda é emitido quando o botão da pulseira é pressionado durante mais de três segundos. “Não é necessário carregar com muita força no sensor, basta um toque suave. É por isso que colocámos um limite mínimo de três segundos de contacto, para despistar eventuais toques involuntários”, explica Panceri. A HELFY" (HELp For You) envia então um alerta para as pessoas que constam na lista de contacto de emergência. Na mensagem segue um link com a transmissão em tempo real das imagens de videovigilância. Desta forma, é possível perceber imediatamente o que está a acontecer.
“A ideia é muito simples, mas nos países que têm uma população cada vez mais envelhecida, como Itália, pode ser uma solução muito útil e eficaz”, justifica. A pulseira é resistente à água uma vez que “é no banho que ocorrem a maioria dos acidentes domésticos” e a sua bateria dura cerca de um ano. “Quisemos desenvolver um produto cuja bateria durasse no mínimo um ano, para diminuir ao máximo a necessidade de recargas, uma vez que esta não é uma tarefa simples para a população mais velha”, explica o italiano.
O PÚBLICO viajou a convite do Ministério da Economia de Itália e da Câmara de Comércio de Roma